Texto de Clara Mota Randal Pompeu
É o sintoma responsável por cerca de metade das consultas ginecológicas. Estudos apontam que até 70% das mulheres apresentam alguma alteração do fluxo vaginal pelo menos uma vez na vida. O termo corrimento vaginal é inespecífico e designa toda secreção não sanguínea que se exterioriza pela vagina. Pode ser fisiológico, oriundo da secreção fisiológica das glândulas cervicais e da transudação através do epitélio vaginal, que se alteram de acordo com a fase do ciclo menstrual e com o grau de excitação sexual. Cerca de 5 a 10% das mulheres apresentam mucorréia, ou seja, aumento da secreção vaginal, sem, porém, inflamação vaginal, sendo, portanto, fisiológico.
O conteúdo vaginal normal é formado por fluidos tubário e endometrial, muco cervical, células descamadas da vagina, transudato das paredes vaginais, das glândulas sebáceas e apócrinas da vulva, glândulas de Skene e Bartholin. A quantidade média diária é de 3 a 5 gramas. O pH vaginal é mantido ácido, em torno de 3,8 a 4,2, principalmente por ação da microbiota vaginal, através da conversão de glicogênio em ácido láctico.
Durante o período ovulatório, pode ocorrer a exteriorização de um corrimento de aspecto claro, mucoso, abundante, com alto grau de filância, devido aos altos níveis de estrogênio identificados nesse período. Este constitiu o Método de Billings para controle da natalidade. Após esse período, a secreção se torna mais espessa, leitosa, devido ao excesso de descamação do epitélio vaginal induzido pela progesterona.
Algumas circunstâncias que alteram a microbiota favorecem o desenvolvimento de microorganismos patogênicos, como o uso de antibióticos, irritação local da mucosa vaginal, alterações hormonais, hábitos de higiene, atividade sexual. O desenvolvimento de vulvovaginites, em geral, se dá em um ambiente vaginal com menor número de lactobacilos e, em contrapartida, maior número de leucócitos e outras bactérias. Quando há diminuição relativa do estrogênio, há uma diminuição do glicogênio, resultando em aumento do pH vaginal. Geralmente surgem alguns sintomas e sinais associados, como queimação, prurido, dispareunia, edema vulvar e inflamação vaginal.
Quando é relatado um corrimento amarelado ou esverdeado, purulento, escuro, mal-cheiroso, que provoca irritação, ardor ou prurido, deve-se pensar em vulvovaginites de origem infecciosa. As vaginites também podem ocorrer devido a atrofia do epitélio vaginal, causas químicas, irritativas ou alérgicas.
As três principais causas de vulvovaginites são:
- Candidíase: aparecimento súbido de prurido e ardor vulvar, que se agrava com a relação sexual e ao lavar-se com sabão. O parceiro sexual também frequentemente reclama de ardor após relação. A secreção é frequentemente descrita como espessa, leitosa, formando gumos. O uso recente de antibióticos de largo espectro, de corticóides, de pílula anticoncepcional, de gravidez atual ou de diabetes fortalecem o diagnóstico, pois são situações que favorecem a proliferação da Candida albicans.
- Tricomoníase: a história natural consiste no aparecimento de um corrimento amarelado, abundante, com mau cheiro, prurido e ardor vulvar, que se seguiram a uma relação sexual. Trata-se de uma doença sexualmente transmissível.
- Vaginose bacteriana: causada por Gardnerella vaginalis, caracterizada por um corrimento escuro, esverdeado, com intenso mau cheiro, que se acentua no período pós-menstrual e pós-coito. Não costuma provocar prurido ou ardor.
Não se deve basear o diagnóstico apenas na descrição dos sintomas do paciente, alguns métodos são válidos, como:
- Medida do pH vaginal: realizado com fita de papel indicador de pH em contato com a parede vaginal. O valor fisiológico varia de 3,8 a 4,5.
- Teste das aminas (teste do cheiro): mistura-se conteúdo vaginal com gota de hidróxido de potássio. Considerado positivo quando há odor fétido (“odor de peixe”).
- Bacterioscopia do conteúdo vaginal: o achado típico do conteúdo vaginal normal são céulas epiteliais vaginais em quantidade moderada, usualmente em maior número que os leucócitos, predominância de lactobacilos em relação às outras espécies de bactérias, ausência de clue cells, Trichomonas vaginalis ou de fungos.
A Organização Mundial de Saúde sugere uma abordagem sindrômica do fluxo genital, em nível primário de atendimento, buscando tratar as cervicites o quanto antes, para prevenir a Doença Inflamatória Pélvica, endometrites, celulites e infecção pelo HIV, sendo importante fazer o diagnóstico diferencial entre cervicites, vulvovaginites ou ambas. Importante lembrar que o tratamento sindrômico deve ter cobertura para clamídia e gonococo, além do tratamento para as vulvovaginites.
- Rotinas em Ginecologia – 6a. edição - Artmed
- Evaluation of women with symptoms of vaginitis – UpToDate, Junho/2012