Fazedores de chuva

No início, quando queriam chamar a chuva, os homens tocavam tambores, lançavam fumaça ao céu ou faziam danças rituais. Depois, vieram as orações e as procissões. Com o advento da era da ciência, passaram a usar métodos potencialmente mais eficientes. Os balões e os aviões possibilitaram chegar às nuvens para atuar diretamente dentro delas e tentar provocar a precipitação da chuva.

Nos anos 1940, nos Estados Unidos, o meteorologista Vincent Schaefer e o químico Irving Langmuir, ganhador do Nobel, iniciaram pesquisas sérias sobre nucleação artificial de nuvens. Um colega de Schaefer, o físico Bernard Vonnegut, mostrou que o iodeto de prata tinha grande potencial para fazer condensar gotas em nuvens frias, pois tem uma estrutura molecular muito parecida com a do gelo. Bernard era irmão de Kurt Vonnegut, romancista que escreveu o livro Gelo-Nove, onde usa algumas ideias inspiradas no trabalho do irmão físico.

No Ceará dos anos 1950, o médico João Ramos Pereira da Costa, motivado pela frequência de nossas secas, começou um trabalho nessa direção, inicialmente usando gelo seco para semear as nuvens. Nessa época, formou-se uma equipe que incluía, além de João Ramos, engenheiros, agrônomos e técnicos. Naquele tempo, o Ceará ainda não tinha meteorologistas profissionais.

No início dos anos 1960, depois de tentar gelo seco e iodeto de prata, João Ramos decidiu que o cloreto de sódio (sal de cozinha) era a melhor aposta para nuclear nuvens “quentes”, como as que temos no Nordeste. A técnica era chamada de “nucleação higroscópica de nuvens”. Os cristais de sal agregam as moléculas de água e formam gotas que podem crescer e se precipitar. Nas regiões frias há formação e precipitação de gelo, o que não acontece nas nuvens nordestinas.

Começaram, então, os anos dourados da nucleação de nuvens no Ceará. A Força Aérea Brasileira (FAB) emprestou aviões para os trabalhos iniciais de nucleação e, em 1961, a então Universidade do Ceará criou o Instituto de Meteorologia, sendo João Ramos seu primeiro diretor. Na época, todos acreditavam no sucesso da técnica e os fazendeiros pressionavam seus políticos para conseguir alguma passagem do avião da chuva sobre suas propriedades. Em 1971, foi criada a Funceme, na época chamada de Fundação Cearense de Meteorologia, e João Ramos foi o primeiro superintendente.

Apesar do aparente sucesso das iniciativas dos fazedores de chuva em todo o mundo, a partir dos anos 1980, a ideia de provocar chuvas artificiais passou a enfrentar um grande descrédito entre os meteorologistas. Para começar, é muito difícil, talvez até impossível, saber se uma chuva que caiu depois de uma sessão de nucleação das nuvens, foi provocada pela intervenção ou se foi natural, isto é, cairia de qualquer modo.

Durante alguns anos, a técnica foi praticamente abandonada por falta de financiamento dos órgãos do governo. Entretanto, de forma um tanto surpreendente, o trabalho de nucleação de nuvens vem passando, ultimamente, por um ressurgimento.

Na China, é uma técnica é muito acreditada, tendo sido utilizada para forçar precipitações nos meses anteriores às Olimpíadas de 2008, garantindo céu claro durante o evento em agosto.

Nos Estados Unidos, o procedimento é usado por pequenas e médias empresas que se especializaram em usá-lo para suprimir geadas. Acredita-se que, se a nucleação causar um aumento de mais de 5% na precipitação das chuvas, o processo já é economicamente justificável. É claro que para semear nuvens é necessário que elas já existam. Segundo os especialistas, a melhor ocasião para usar a técnica não é durante as secas, mas, quando o regime de chuvas está na média e se quer aumentar esse volume para ter mais água armazenada nos reservatórios.

Como diz um americano que trabalha em uma empresa de nucleação na Califórnia: “uma nuvem é como uma esponja de pia, o que a gente faz é espremer para que a água escorra”.

Acredita-se que, se a nucleação causar um aumento de mais de 5% na precipitação das chuvas, o processo já é economicamente justificável

Dando um banho nos paulistas
“O prefeito e seus convidados ilustres estavam na pista do aeroporto para ver uma demonstração da nucleação. Era um campo modesto com um pequeno galpão que servia de hangar. Havia uma nuvem escura sobre o campo e nós entramos nela com o avião e o pessoal começou a despejar a solução de sal. Na segunda vez que entramos na nuvem já apareceram umas gotinhas no para-brisa. Quando saímos da nuvem depois da terceira passagem, desabou um aguaceiro sobre as autoridades que tiveram de correr para se abrigar no galpão”.

O depoimento é de um oficial da FAB que pilotou um avião com a equipe do médico João Ramos no interior de São Paulo, na década de 1970.

 

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/08/16/noticiaaquitemciencia,3298393/fazedores-de-chuva.shtml)

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