A Sala Chinesa de John Searle

Em uma coluna anterior, falamos do famoso Teste de Turing que foi proposto pelo matemático inglês Alan Turing para avaliar se um computador poderia entabular uma conversa tão coerente que seria considerado possuidor de uma mente semelhante à mente humana.

 

Isso induz a uma pergunta que vem sendo feita há algum tempo: uma máquina pode pensar? Se nosso cérebro for considerado uma máquina, é claro que pode. Mas, o que dizer de algo feito de metal e plástico, um computador, por exemplo?

 

Pesquisadores da área de Inteligência Artificial (IA) dita “forte” acreditam que um dia haverá algum programa de computador tão complexo e sofisticado que será capaz de reproduzir qualquer tipo de ação desempenhada por um cérebro, inclusive raciocinar, tomar decisões inteligentes, ter sentimentos e tudo mais que hoje se pensa ser exclusivo de seres vivos, como os humanos. Note-se que eles falam de programas (“software”) que, em princípio poderiam ser implantados em qualquer tipo de computador (“hardware”) suficientemente poderoso. Já o pessoal da IA dita “fraca” acha que esse computador apenas simularia uma mente.

 

O filósofo John Searle, da Universidade de Berkeley, afirma que nenhum programa de computador, por mais complexo e avançado, será capaz de pensar. Para justificar sua objeção, Searle bolou um experimento mental que ficou conhecido como a Sala Chinesa.

 

Suponha que eu, que não sei absolutamente nada de chinês, estou dentro de uma sala fechada onde existem caixas com coleções de símbolos chineses. Para mim, que só entendo português, esses símbolos não têm qualquer significado. Mas, existe na sala um enorme Manual de Instruções escrito em português que me ensina como manipular esses símbolos. Outra pessoa, conhecedora da língua chinesa, está fora da sala e organiza perguntas ou frases coerentes em chinês, sobre qualquer assunto, juntando símbolos em pacotes que são passados para mim através de uma abertura. Meu trabalho será usar o Manual de Instruções para formar uma nova coleção de símbolos que produza uma resposta coerente (em chinês) às questões que recebi pela abertura. Considerando que os símbolos e o Manual sejam bem completos, a pessoa do lado de fora vai achar que está se comunicando com alguém que sabe chinês. Sendo que eu, na verdade, não sei absolutamente nada dessa língua.

A Sala Chinesa pode ser considerada como um “computador” que aparenta saber chinês sem saber. Da mesma forma, diz Searle, um computador que passa pelo famoso Teste de Turing aparenta pensar, mas não pensa, pois não dispõe dos processos mentais inerentes ao pensamento.

 

Alguns proponentes da IA “forte” argumentam que a pessoa dentro da sala pode até não saber chinês, mas, a sala toda (a pessoa, as caixas de símbolos e o Manual de Instruções) sabe. Isto é, o “sistema” completo sabe chinês, como o computador que passa pelo Teste de Turing pode também ser considerado como “pensante”.

 

Searle não concorda com essa conclusão e argumenta que a sala é até desnecessária. A pessoa que está nela poderia, em princípio, ser dotada de uma memória excepcional e decorar tudo, símbolos e Manual. A troca de símbolos poderia acontecer fora da sala, os dois humanos frente a frente. O “sistema”, ou o homem que decorou tudo, se apresentaria como se fosse um surdo-mudo, comunicando-se em chinês por esses conjuntos de símbolos. Mesmo assim, segundo Searle, não seria correto dizer que a pessoa saberia chinês. “Conversar” em chinês não equivale a “entender” chinês. Essa pessoa, ou um programa de computador em seu lugar, estaria usando apenas a “sintaxe” da língua chinesa, mas não teria acesso à sua “semântica”.

 

Um computador usual funciona em série, manipulando bits de forma sequencial. Mas, já existem computadores com processamento paralelo e uma arquitetura que tenta reproduzir a estrutura de um cérebro, com neurônios e sinapses convenientemente plásticas a ponto de serem modificadas à medida que a máquina vai recebendo novas informações. Em outras palavras, esse tipo de computador que usa uma rede neural artificial é capaz de “aprender” enquanto manipula os dados que recebe. Se um computador desse tipo for usado em uma Sala Chinesa de Searle, sua troca de informação com o humano chinês seria cada vez mais elaborada e perfeita. Nesse caso, poderíamos dizer que essa máquina acabaria “entendendo” chinês?

 

Searle protesta dizendo que esse exemplo contradiz os defensores da IA “forte”, pois depende não apenas do programa (o “software”). Assim mesmo, segundo ele, essa máquina nunca entenderia o chinês, apenas simularia esse entendimento. Um computador e seu programa, por mais sofisticados, apenas processam informações – e processamento de informação não equivale a pensar.

 

Na verdade, diz Searle, o pensamento consciente deriva, necessariamente, de processos físico-químicos que não são reproduzidos em nenhum computador. A mente, segundo ele, não pode ser dissociada do cérebro. Aliás, não apenas do cérebro, mas de todo o organismo que interage com o cérebro trocando informações enquanto troca moléculas biológicas.

 

A ideia, usada por autores de ficção científica, de que seria possível “exportar” uma mente de um cérebro para uma máquina externa, é inteiramente equivocada, segundo o filósofo americano.

 

O matemático inglês Roger Penrose concorda com Searle e também acha que uma mente não pode ser reproduzida por um algoritmo. No entanto, ele acha que os processos mentais dependem de processos quânticos, como a superposição de estados. Esses processos, ausentes de sistemas ou máquinas clássicas, seriam essenciais para o funcionamento de uma mente consciente. Essa é outra vertente muito interessante da controvérsia sobre máquinas “pensantes” que vale a pena acompanhar. Infelizmente, o espaço dessa coluna é limitado e tenho de deixar esse assunto para alguma ocasião futura.

 

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/07/04/noticiaaquitemciencia,3464099/a-sala-chinesa-de-john-searle.shtml

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