Como melhorar o ensino de ciência no Brasil

Desde a década de 50, quando o físico americano Richard Feynman declarou que nosso ensino de ciências era muito ruim, pouco mudou, pelo menos no nível básico. O dado mais apontado para demonstrar esse estado calamitoso é o nosso desempenho no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Desde que essa avaliação internacional foi lançada, em 2000, patinamos nos últimos lugares entre os 65 países participantes. Em 2012, ficamos no 59º lugar em Ciências, 58º em Matemática e 55º em Leitura.

O diagnóstico é fácil de ser feito, resta saber se há algum remédio. Uma busca pelas fontes usuais aponta para os suspeitos de sempre: pouco investimento, baixos salários, técnicas educacionais obsoletas e assim vai. Aqui e acolá a gente encontra alguma proposta de solução.

Uma coisa é certa: a formação de professores de ciências nos cursos de licenciatura é decepcionante. São cursos quase sempre noturnos, habitados por gente que passa o dia trabalhando e outros que não conseguiram bom desempenho no Enem. O que é lamentável, pois o nível de formação de um professor de ciências deveria ser igual (ou melhor) que o de um bacharel. Sem falar que há uma disputa interminável e improdutiva entre os que valorizam mais a pedagogia e os que defendem a primazia do conteúdo. Mas, todos concordam que a interação entre esses cursos e as escolas de ensino fundamental e médio é quase inexistente.

Como não sou especialista no tema, procurei informações mais recentes. Sobre o Pisa, encontrei um livro que está fazendo muito sucesso, da jornalista americana Amanda Ripley, chamado As Crianças Mais Inteligentes do Mundo. Recomendo a leitura desse livro, mas, posso adiantar um rápido resumo das conclusões (“spoiler”): os países com os melhores resultados no Pisa não são, necessariamente, aqueles onde os professores são mais bem pagos, nem onde existe a melhor infraestrutura. O fator comum no ensino desses países é a alta qualidade, tanto dos professores quanto dos estudantes. Não se dá refresco a ninguém, tem mesmo é que se empenhar duramente no ensino e na aprendizagem. Sem muita teoria pedagógica, sem tecnologia avançada na sala de aula, apenas muito trabalho sério e dedicado.

Repetindo que não sou da área, acho que isso me permite dar pitacos sem me preocupar com dados e argumentos elaborados. Nessa veia, elenco a seguir algumas “sugestões” que me ocorrem sobre como contribuir para melhorar nosso desempenho no ensino de ciências – e de tudo mais – sem precisar gastar demais o pouco dinheiro que temos nesses momentos de crise econômica. Meus colegas professores me perdoem, mas não incluirei nessas sugestões nenhum pedido para melhores salários, embora concorde que eles estão muito baixos.

1Parcerias Público-Privadas: os colégios particulares, pelo menos os de Fortaleza, sabem preparar muito bem para os vestibulares, para o Enem e para as Olimpíadas. Basta ver os anúncios de página inteira nos jornais. Por que não levar esse tipo de ensino para a escola pública? Por que esses colégios não vão para a periferia? É claro: porque nesses locais o povo não tem dinheiro para pagar as altas mensalidades. Mas, o governo tem. Então, o governo poderia oferecer aos donos desses colégios ricos uma oportunidade deles atuarem nas regiões menos favorecidas. O colégio seria construído nas áreas carentes e receberia estudantes de baixa renda que deveriam contar com a mesma qualidade de ensino dos colégios das regiões nobres. As mensalidades seriam pagas pelo governo, sem atraso e sem inadimplência. Não seria necessário gastar dinheiro atraindo clientes que estariam automaticamente garantidos. Em contrapartida, o colégio deveria apresentar os mesmos altos resultados que alcança nos demais. Periodicamente, o governo avaliaria esses resultados e decidiria sobre a continuidade do programa, sua expansão ou cancelamento.

Na verdade, essa ideia não é nova, nem minha. Já existe no ensino superior, no Fies (Financiamento do Ensino Superior) e é um fracasso. Os pobres alunos que estão nesse programa acabam fazendo cursos irrelevantes, sem futuro no mercado de trabalho. E os donos das faculdades simplesmente embolsam uma grana que não teriam como ganhar se oferecessem esse tipo de ensino diretamente, sem o acesso ao dinheiro público. O resultado, como era de se esperar, foi o seguinte: assim que o MEC exigiu que os candidatos ao Programa tivessem nota superior a 450 no Enem, a procura pelas “faculdades” caiu mais de 30% e elas começaram a falir.

Em outras palavras, não adianta apenas boas intenções se os burocratas do MEC acabam sempre metendo os pés pelas mãos.

2A volta dos militares, não para governar, mas para ensinar. As escolas e colégios militares estão entre as melhores do nosso ensino público, com desempenho igual ou superior às instituições privadas. O Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) é considerado um dos melhores cursos de engenharia do Brasil. Ao que tudo indica, os milicos são bons educadores. Então, por que não aproveitar esse talento natural, disseminar mais colégios militares em todos os níveis, do fundamental ao superior? Criar colégios profissionais no Interior, dirigidos por corporações militares, por exemplo, em áreas estratégicas, seria uma aposta com muita chance de sucesso.

3A pesquisa científica no Brasil tem bastante sucesso (veja o gráfico). O número de publicações é alto e a qualidade vem melhorando sistematicamente. Entre as razões para esse sucesso estão o CNPq (Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa que financiam bem as iniciativas de nossos cientistas. Então por que não usar o mesmo esquema no ensino de ciência? Poderíamos ter um órgão de fomento lançando editais e concedendo auxílios a professores e coordenadores do ensino básico, com parâmetros e cobranças semelhantes às usadas pelos órgãos que financiam a pesquisa. Os bons professores, aqueles que têm iniciativa e conseguem bons resultados com seus alunos, poderiam receber bolsas e desenvolver projetos de melhoria do ensino fundamental e médio. A avaliação desses projetos seria feita através de metodologia semelhante à usada pelo CNPq ao julgar os resultados dos projetos de pesquisa.

Outras pessoas certamente terão mais propostas práticas para melhorar nosso ensino de ciências. Gostaria de conhecê-las e divulgá-las. Em breve, voltarei a esse tema dando atenção às iniciativas de divulgação e popularização da ciência e como elas podem dar boa contribuição no processo de trazer mais jovens talentosos para a carreira científica e tecnológica.

 

A pesquisa vai bem e o ensino vai mal

Enquanto nosso ensino de ciências vai mal, a pesquisa científica só cresce no Brasil. Como vemos na figura, o número de publicações em revistas acreditadas vem subindo sistematicamente.

Como explicar esse paradoxo, já que os pesquisadores passaram pelo ensino médio? Será que todos são oriundos de escolas privadas de boa qualidade? Ou será que a política de incentivo à pesquisa é boa e a educacional é falha?

Eis um problema para nossos pensadores mais qualificados. Só não adianta repetir os mesmos mantras (salários, carreira, infraestrutura), que
podem até serem legítimos, mas não contribuem para uma resolução rápida e eficiente dos problemas do ensino.

 

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/03/28/noticiaaquitemciencia,3413693/como-melhorar-o-ensino-de-ciencia-no-brasil.shtml

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A despedida de um paciente em quimioterapia

Fortaleza, 22 de março de 2015.

Doutor Ronaldo,

 

Espero que esta esta carta o encontre com saúde, pois resolvi escrevê-la para me despedir do amigo, permita-me chamá-lo assim. Os últimos tempos foram difíceis, senti minha vida por um fio. Tudo começou quando percebi um sangramento no sanitário ao fazer o “número 2”. Hemorroidas, pensei eu! A contragosto, procurei-o em consulta médica. Câncer intestinal foi surpresa angustiante. Eu e minha família não nos preparamos para tal provação. Questionei minha fé, senti-me só, sem saída. Lembrei-me da afirmação que ouvira certa ocasião: câncer tem cura, mas a medicina não a revela. Revoltei-me a ponto de questionar o amigo de forma rude em uma das consultas. Queira me desculpar.

 

Suas explicações foram importantes. Esclareceram dúvidas e diminuíram minha revolta. Compreendi que dependeria de mim. Enfrentei de peito aberto! Na realidade, abdômen, pois me submeti à cirurgia. Ah, se pudesse voltar ao passado! Se soubesse que esse tumor poderia ser detectado no início, ainda um pólipo. Não pestanejaria em me submeter a essa tal colonoscopia. Foi difícil passar por exame tão ultrajante. Como fui tolo, reconheço!

 

Depois, veio a quimioterapia, nome garboso na pronúncia, assombroso na oitiva. Por que deveria? Acabara de extirpar o tumor! Entendi que seria necessária mesmo assim. Algumas células intestinais se dividem aos milhares, diariamente, num processo natural em que células novas substituem as velhas. Ao longo da vida, essas células podem sofrer mutações mais frequentemente. Sendo células mutantes anormais, dividem-se e multiplicam-se cada vez mais e, sem controle, viram um tumor. É difícil combatê-las apenas com nossas defesas naturais e o tumor inicial cresce. Algumas dessas células se desgrudam dele, migram e se multiplicam em outros locais do organismo, as metástases, revelando sua malignidade.

 

Resignado, cedi. O olhar de minha esposa denunciava que devia isso a ela. Deixei que vocês me injetassem substâncias que, levadas pelo sangue, combateriam essa mazela em meu corpo. Como células tumorais se reproduzem desenfreadamente, o DNA, tão comum nos testes de paternidade da TV, passa a ser estratégico. Nele está o código genético das células. Os medicamentos injetados deveriam impedir a replicação desse DNA em novas células mutantes, cancerígenas. Mas, como não só as células cancerígenas se dividem, ficou rala minha cabeleira, tão vasta quando jovem. Fiquei anêmico, minhas hemácias ficaram escassas. Qualquer tosse preocupava. Meus leucócitos, células responsáveis por minhas defesas naturais, ficaram desmilinguidos em minhas veias. Pude entender então que a medula óssea, local que produz as células do sangue, foi atingida com meu martírio.

 

Vi que não era o único a merecer tamanho fardo. De cada cinco pacientes que enfrentavam essas agruras ao meu lado, quatro apresentavam-se assim. Nada incomodava tanto quanto as feridas adquiridas na parte interna da boca, processo que vocês chamam de mucosite. Perdi o apetite e vomitava facilmente. Como se não bastasse, passei a sofrer diarreias e isso me tornava susceptível a infecções, fruto das invasões microbianas. Por vezes você interrompeu minha terapia até que me recuperasse desses golpes.

 

Apesar de tudo, resisti. Dos alunos que sempre lhe acompanhavam, ouvi que o tratamento que dispúnhamos no Hospital Haroldo Juaçaba era o mesmo dos melhores hospitais do país. Não precisaria sair da convivência de minha família para me tratar. Confiante fiquei quando soube que a mucosite era seu principal interesse de estudo. Vocês dedicam os melhores esforços para entender como a quimioterapia pode causá-la. Amenizar nosso sofrimento é o seu intento, mas o problema é complexo. Mal compreendido, atualmente tratam-se os sintomas, não as causas.

 

É admirável como vocês decifram o modo como as nossas células reagem a esse emaranhado de proteínas produzidas pelo ambiente tumoral. Todas elas interconectadas, uma interferindo na função da outra, formando uma rede de comunicação entre células. Memorizei os nomes de algumas delas: TNF alfa, interleucina 1, esquisitos, diga-se de passagem. Vi na internet que existem várias dessas tais interleucinas e, numa das sessões de quimioterapia no hospital, seus alunos comentaram na minha presença que um estudo de vocês foi pioneiro em mostrar a interleucina-18 como uma das causadoras da mucosite. Acho que é como encontrar agulha num palheiro. É, amigo, andei estudando sobre isso! Eles pareciam entusiasmados porque esse estudo foi parar na Inglaterra, numa das melhores revistas científicas do mundo. Parabéns! Torço para que descubram como inibir essa proteína, pois, sendo ela culpada, provavelmente isso seria melhor para os pacientes que precisam da quimioterapia.

 

Por falar nisso, preciso me despedir do amigo já que minhas sessões acabaram. Não sem antes agradecer por tudo. Espero não vê-lo tão cedo (perdoe-me, não é por mal)! Tenho ido passar meus fins de semana na praia. Revejo o mar, os amigos, jogo minhas partidas de buraco e aproveito o convívio com os netos. E que as coisas continuem melhorando como estão agora, cada vez mais, pois como já disse nosso conterrâneo Chico Anysio, até aos cem eu vou… devo ir… talvez eu vá…

 

Do amigo, Fernandes

 

P.S.: sempre tem um quarto disponível aos amigos lá em casa, apareça!

 

A convite do colunista, o texto de hoje é de Pedro Jorge Magalhães, professor da Faculdade de Medicina da UFC e integrante da Seara da Ciência.

 

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/03/14/noticiaaquitemciencia,3406314/a-despedida-de-um-paciente-em-quimioterapia.shtml

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Quando os computadores começarão a pensar?

Vários filmes em cartaz nos cinemas contam histórias de cientistas famosos. Um deles, é o matemático inglês Alan Turing, ateu, homossexual e visionário da computação, que é personagem de O Jogo da Imitação, onde a ênfase é dada ao seu trabalho bem sucedido de decifrar códigos secretos dos nazistas na Segunda Guerra Mundial. O filme ganhou o Oscar de Melhor Roteiro, mas, não vou falar sobre ele. Vou tratar um pouco das ideias mais impactantes de Turing sobre a possibilidade de se construir uma máquina inteligente, com capacidades intelectuais consideradas exclusivas dos humanos.

 

Em resumo, Turing queria saber se poderia existir uma máquina capaz de coisas como raciocinar, jogar xadrez, demonstrar teoremas matemáticos ou escrever poemas de boa qualidade. Após muita elucubração, ele concebeu a chamada “máquina universal” e demonstrou que ela poderia desempenhar todas essas proezas, além de ser capaz de se auto-reproduzir usando apenas um código interno, mais ou menos como o DNA faz com a gente. É claro que essa “máquina universal de Turing” não existia naquela época, a não ser na cabeça do próprio Turing. E, não existe até hoje, mas o que importa mesmo é explorar teoricamente se ela é permitida pelas leis naturais. Em sua essência, a máquina concebida por Turing é bastante simples e serviu de ponto de partida para a concepção dos computadores atuais. Como estes, seria apenas um sistema físico que passa continuamente de um estado para outro, seguindo regras básicas contidas em um código binário. Os únicos obstáculos para se construir essa máquina seriam técnicos e financeiros. Depois da guerra, Turing chegou a tentar financiamento para construir um protótipo da máquina, mas, como mostra o filme, o moralismo repugnante das autoridades inglesas preferiu obrigá-lo a um tratamento hormonal que o levou, finalmente, ao suicídio.

 

Tendo demonstrado que uma máquina seria capaz de várias capacidades semelhantes às dos humanos, Turing passou a examinar que tipo de limitações ela poderia ter. Concluiu que sua máquina estaria restrita aos vínculos impostos pelo alemão Kurt Gödel, que demonstrara a impossibilidade de qualquer sistema lógico ser completo. Em outras palavras, segundo Gödel, qualquer sistema matemático teria proposições verdadeiras que não poderiam ser demonstradas dentro do próprio sistema. Turing verificou que essa restrição também valia para sua máquina, o que equivalia a dizer que a matemática nunca poderá ser completamente mecanizada.

 

Acontece, como notou o inglês, que essas restrições também valem para as máquinas que temos dentro de nossos crânios. Pessoas, assim como as máquinas, nunca serão totalmente capazes de prever e modificar seus comportamentos. Aparentemente, o famoso “livre-arbítrio” tem limitações. É claro que essas limitações não nos impedem, nem às máquinas, de fazer raciocínios complexos e de tomar decisões sobre o que devemos fazer.

 

Os computadores modernos ainda não apresentam todas as potencialidades teóricas de uma máquina universal de Turing, mas, parecem estar cada vez mais próximos disso. O cientista americano Ray Kurzweil, engenheiro do Google, chamou de “singularidade” o dia em que ficar evidente que as máquinas começaram a pensar. E escreveu um livro intitulado A Singularidade está próxima. Vamos ver.

 

O Jogo da Imitação

Afinal, haverá algum dia uma máquina capaz de pensar? Alan Turing não gostava desse tipo de pergunta por ter uma carga emotiva muito forte e depender da definição do que é pensar. Em 1950, ele escreveu um artigo onde propôs uma forma mais segura de decidir a questão, envolvendo um teste que ele chamou de “Jogo da Imitação”, hoje mais conhecido como “Teste de Turing”. Vejamos uma versão moderna do Teste de Turing.

 

O arranjo do teste coloca de um lado um humano e um computador, separados por uma parede de outro humano, o interrogador. A única forma de comunicação entre os três é por mensagem de texto digitado. O objetivo do jogo é levar o interrogador a descobrir, fazendo perguntas e recebendo respostas, quem é quem do outro lado da parede. O computador é programado para levar o interrogador a pensar que está conversando com um humano. Portanto, não adianta o interrogador perguntar quem é humano, pois ambos responderão a mesma coisa.

 

O teste acaba quando o interrogador achar que sabe quem é humano. Se, depois de vários desses testes, o computador tiver sido confundido como sendo humano por um número igual ou maior de vezes que o contrário, conclui-se que esse computador é capaz de agir como um humano. Isso não quer dizer, explicitamente, que o computador é capaz de pensar. Significa apenas que ele é capaz de convencer que pensa.

 

Os proponentes da chamada versão forte da Inteligência Artificial consideram que um computador que consiga passar consistentemente pelo Teste de Turing é realmente capaz de pensar. Muita gente não concorda. O filósofo John Searle, por exemplo, sustenta que apenas organismos biológicos com cérebros semelhantes aos nossos seriam capazes de pensar de forma consciente. Para justificar esse ponto de vista, ele também imaginou um teste chamado de “Sala Chinesa”. Esse é o tipo de debate que costuma ficar acalorado entre os entusiastas da Inteligência Artificial e os céticos. Mas, não tenho espaço aqui para me estender sobre isso. Fica para outra ocasião, se alguém tiver interesse em voltar a esse assunto.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/02/28/noticiaaquitemciencia,3399042/quando-os-computadores-comecarao-a-pensar.shtml

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A ciência explica as dunas

Se você está na praia, neste Carnaval, lendo esta coluna no jornal ou em seu tablet enquanto vê as belas dunas que enfeitam a costa do Ceará, siga na leitura, pois esse será nosso tema de hoje. Vamos falar do trabalho do físico alemão-cearense Hans Herrmann, professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Escola Politécnica de Zurique (ETH), na Suíça. Trabalhando com colaboradores brasileiros e de outras nacionalidades, Hans é hoje uma das maiores autoridades na ciência da formação e movimentação de dunas.

 

As dunas costeiras se formam pelo movimento da areia sob a ação do vento. Existem três mecanismos principais no transporte de areia pelo vento: a suspensão, a saltação e a difusão. A suspensão, que se dá com grãos de areia muito pequenos, não forma dunas, pois as partículas mais leves se deslocam demais, às vezes atravessando oceanos. A difusão, ao contrário, é muito lenta e se dá com grãos tão pesados que o vento não consegue mover. Já a saltação, processo que se dá com grãos de tamanhos intermediários, é o mecanismo que forma e movimenta as dunas.

 

Como o nome sugere, na saltação, os grãos de areia saltam da superfície e são acelerados pelo vento. 0s pesquisadores do grupo de Hans Herrmann descobriram que existe um limiar para a velocidade do vento acima do qual se forma um fluxo de grãos, como uma nuvem de areia que flutua acima do solo. Como a velocidade do vento cresce com a altura, alguns grãos podem armazenar tanta energia que, ao atingir o solo, arrancam muitos outros grãos, produzindo o fluxo que move a duna. É interessante que, por causa das colisões entre os grãos saltantes, existem muitos deles que se deslocam por grandes distâncias sem tocar o solo e podem atingir grandes velocidades.

 

A partir desse mecanismo de deslocamento e usando parâmetros como a velocidade do vento, a rugosidade do solo e a viscosidade do ar, Hans e seus colaboradores conseguiram montar um modelo matemático que descreve, com detalhes impressionantes, a formação e o movimento das dunas. Os valores dos parâmetros usados nas simulações são baseados em medidas feitas em vários locais do mundo, inclusive nas praias de Jericoacoara e nos Lençóis Maranhenses.

 

Sabe-se que existem vários tipos de dunas caracterizadas por suas formas. As mais conhecidas são as dunas chamadas de “barcanas”, que têm a forma de uma lua crescente com as pontas indicando a direção do vento. Outros tipos comuns são as dunas parabólicas e as dunas transversas.

Na figura 1, vemos o resultado de uma simulação de dunas que se formam a partir da praia. A cor indica a altura da areia, indo do azul (na altura do solo) ao vermelho que corresponde a uma altura de 5 metros. A forma de lua crescente é reproduzida com sucesso. A matemática usada nessas simulações é sofisticada e os programas de computador são intensivos, levando várias semanas em um PC Intel Core i5 para concluir uma simulação como essa vista na figura.

 

A partir do sucesso na simulação da formação das dunas, Hans e seus colegas investigaram vários aspectos curiosos do modo como elas se movimentam. Um resultado interessante surgiu ao descrever a colisão de duas dunas. As dunas menores são mais rápidas que as maiores, de modo que é comum que uma duna pequena alcance e se combine com outra maior que está na sua frente. Quando isso acontece, as duas dunas podem se misturar para formar uma só. Mas, observa-se que, em certos casos, a duna menor passa por cima da maior e continua se movendo sem mudar de forma ou tamanho, como se nada tivesse acontecido. Os pesquisadores conseguiram reproduzir esse fenômeno em suas simulações, como vemos na Figura 2.

 

Em outro trabalho, levaram em conta a influência da vegetação que pode já existir no caminho da duna ou se formar sobre ela quando as condições atmosféricas são favoráveis. A competição entre a vegetação e o movimento eólico pode resultar em uma modificação na forma da duna. Esse interessante caso de arranjo entre as duas influências também foi simulado com sucesso pelos pesquisadores. A Figura 3 mostra, na parte de cima, a sequência obtida em uma simulação e, na de baixo, fotos aéreas de dunas da costa nordestina. Observa-se, tanto no caso real quanto no simulado, a transformação de uma duna barcana em parabólica.

 

Como vemos, as dunas são ricos materiais de pesquisa, além de objetos de grande beleza natural. Para maiores informações sobre o trabalho de Hans e seus colegas, eis um local na internet:http://www.comphys.ethz.ch/hans/dunes.html
Simulando as dunas de Marte

O planeta Marte também tem dunas e elas têm formatos bem diferentes das nossas, aqui na Terra, como mostram as fotos obtidas por sondas que chegaram até lá. Hans Herrmann viu que essas dunas poderiam ser um excelente teste para seu sistema de equações e programas de simulação. Juntamente com colegas do Departamento de Física da UFC, utilizou esses recursos teóricos e computacionais na busca de uma descrição das dunas de nosso planeta vizinho. Os parâmetros, é claro, teriam de ser bem diferentes, pois a gravidade em Marte é bem menor que a da Terra e a atmosfera de lá é muito rarefeita. O primeiro resultado mostrou, como esperado, que o fenômeno da saltação de grãos de areia em Marte é muito mais intenso que na Terra, com velocidades até 10 vezes maiores. O resultado final que obtiveram foi de excelente qualidade como mostra a Figura 4 onde, na parte de cima vemos as formas exóticas das dunas marcianas e, na parte de baixo, os resultados das simulações que exibem grande semelhança com as fotos das sondas.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/02/14/noticiaaquitemciencia,3392459/a-ciencia-explica-as-dunas.shtml

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Trajetórias da Incerteza

É curioso saber que uma das ideias mais importantes da física moderna é uma admissão de ignorância. O chamado Princípio da Incerteza, apresentado em 1927 pelo alemão Werner Heisenberg, impõe limites naturais à precisão de medidas feitas sobre certos pares de grandezas físicas.

 

Considere, por exemplo, a mais familiar das partículas elementares, o elétron. Essa partícula carregada transporta a eletricidade que move praticamente toda a tecnologia moderna. Nos antigos aparelhos de TV, elétrons percorriam trajetórias que começavam no catodo e terminavam na tela, formando imagens. Imagine que alguém quisesse medir, em um instante qualquer, a posição e a velocidade de um desses elétrons em sua viagem do catodo à tela. O equipamento usado para medir a posição instantânea (que chamaremos de x) poderia ser muito preciso e fornecer esse valor com um erro %u2206x quase igual a zero. Ao mesmo tempo, outro aparelho, igualmente preciso, faria uma medida da velocidade do elétron nessa posição x. O erro na medida da velocidade faz parte do valor de %u2206p, pois p nada mais é que o produto da massa da partícula por sua velocidade. Pois bem, o Princípio da Incerteza informa que, se uma das medidas for muito precisa, a outra é muito incerta. Isso é, se a medida da posição for muito precisa, a medida da velocidade terá uma precisão pequena. E vice-versa.

 

Esse compromisso não decorre de limitações dos aparelhos, é algo inerente ao comportamento das partículas subatômicas.

 

A expressão matemática que aparece no título é a representação desse princípio: o produto das incertezas nas medidas da posição (%u2206x) e da velocidade (%u2206p) nunca será zero: será sempre maior ou igual ao valor da direita (h/2π), onde esse h é a chamada constante de Planck.

 

O valor de h/2π é muito, muito pequeno. A melhor maneira de mostrar essa pequenez é escrever esse valor por extenso:

0,0000000000000000000000000000000001…

 

Os pontinhos significam que há mais algarismos depois do 1. O valor é pequeno, mas, a limitação que impõe às medidas é fundamental para entender praticamente tudo que acontece não apenas nos átomos, mas também em objetos muito grandes, como o Sol. A estabilidade de uma estrela como o Sol, que está brilhando há mais de 4,5 bilhões de anos, só pode ser explicada se o Princípio da Incerteza for levado em conta.

 

Mas, apesar de todo o sucesso da ideia de Heisenberg, resta uma insatisfação comum entre os físicos: por que a natureza força essa limitação na precisão das medidas? Os físicos não sossegam enquanto não são capazes de entender uma lei natural a partir de conceitos muito básicos, como as noções de tempo e espaço.

 

Esse tipo de motivação foi o ponto de partida de um trabalho dos professores Raimundo Costa Filho, José Soares de Andrade, Murilo Almeida e Gil Farias, do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará e que incluiu posteriormente o matemático Jorge Lira, também da UFC. Eles estavam interessados em saber se o espaço, que até o início do século XX era considerado algo imutável, estático e contínuo, poderia ter algum tipo de imperfeição ou descontinuidade que afetasse o comportamento de objetos. Em termos técnicos, procuravam detalhes sobre a métrica do espaço.

 

Imagine uma partícula que se desloque primeiro de uma distância X e, logo a seguir, de outra distância Y. Espera-se, naturalmente, que a distância total percorrida pela partícula após os dois momentos, seja Z = X + Y. No linguajar técnico, o deslocamento, nesse caso, deve ser perfeitamente aditivo.

 

Mas, e se o espaço não for contínuo? E se, na escala ultra minúscula das partículas elementares, o espaço tiver interrupções ou coisa parecida, algo como uma estrada que, para os pneus de um carro parece muito lisa, mas, para as patas de uma formiga aparece cheia de catabilhos? Nesse caso, deslocar de X e depois de Y não implica em um deslocamento X + Y. O deslocamento deixaria de ser uma quantidade aditiva.

 

Seguindo essa linha de pensamento, os pesquisadores chegaram a um resultado que resultou em uma modificação do Princípio da Incerteza. Em certas condições, se o espaço não for contínuo e os deslocamentos não forem aditivos, a constante do lado direito da expressão não é apenas h/2π, mas contém outros termos, apesar de continuar sendo extremamente pequena.

 

Esse resultado pode ter implicações em outros ramos da física moderna, como a ligação de átomos formando moléculas. Pode, também, ter influência no estudo da curvatura do espaço, prevista pela Relatividade Geral de Einstein. Em resumo, todo o interesse dessas pesquisas faz parte do esforço da comunidade de físicos em alcançar uma teoria unificada que sirva para entender o que acontece não apenas no mundo microscópico dos átomos, mas, também no macrocosmo onde se encontram as galáxias e os buracos negros. Esse, como todo mundo sabe, foi o Santo Graal que Einstein tentou encontrar, mas não conseguiu.

 

Possível adeus a metade de meus leitores

Os editores, não apenas deste, mas, de todos os jornais do mundo, detestam equações. Stephen Hawkins, em seu best-seller Uma Breve História do Tempo, conta que seu editor avisou que cada equação em um texto de divulgação científica faz perder metade dos leitores. O físico inglês se acovardou e escreveu apenas uma equação em todo seu livro. Não digo que equação é essa para não perder ainda mais leitores, mas, é uma equação que todo mundo conhece.

 

Bom, resolvi me rebelar contra essa crença e, disposto a correr risco, achei melhor partir de vez para a briga e escrever uma equação logo no título da coluna. Mesmo assim, espero escapar da maldição, pois, o que está lá não é apenas uma equação, é também uma inequação. Se houver alguma lei de simetria editorial, um efeito anula o outro e deverei, portanto, manter inalterado o alentado número de meus leitores. Se isso realmente for comprovado, poderei, sempre que necessário, salpicar meus textos de números iguais de equações e inequações.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/01/31/noticiaaquitemciencia,3385051/trajetorias-da-incerteza-u2206x-u2206p-u2265h-2-u03c0.shtml

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O declínio do Mah

Segundo a geneticista australiana Jennifer Graves, o cromossomo Y, responsável pela existência de machos na espécie humana, pode desaparecer da face da Terra. Nas palavras da cientista: “Há 300 milhões de anos, o cromossomo Y tinha 1.400 genes; agora, tem apenas 50, cerca de 1/12 do número de genes no cromossomo X. Nesse ritmo, os genes desaparecerão do cromossomo Y em menos de 5 milhões de anos”.

 

Mulheres têm dois cromossomos X e homens têm um cromossomo X e outro Y. Basta ver uma foto dos cromossomos X e Y para se notar a diferença de tamanho, certamente relacionada com o número muito maior de genes no cromossomo X. Na verdade, não é o fato de ter cromossomos X e Y que faz um homem, nem ter dois X que faz uma mulher. O que nossas células fazem com esses cromossomos é que determina se o bebê será menino ou menina.

 

O cromossomo Y tem um gene (o SRY) que determina o sexo masculino da descendência. Se esse gene não estiver presente, o feto se desenvolverá como uma menina. Outros genes no Y acionam o desenvolvimento dos testículos e a produção de hormônios masculinos. Se algum desses genes sofre uma mutação deletéria poderá ser extinto pela seleção natural. O problema é que o cromossomo Y parece estar sujeito a uma alta taxa de variação e, por essa razão, pode se degradar rapidamente.

 

Com a extinção do cromossomo Y ou do gene SRY poderá até mesmo surgir outra espécie de humanos. Mas, essa nova espécie, se surgir realmente, não deverá ser assexuada como algumas lagartas, pois vários genes vitais, além do SRY, são exclusivos do homem. Isso, aliás, já ocorreu em algumas espécies de roedores e minhocas, que deixaram de ter o gene SRY no cromossomo Y, mas mesmo assim, continuam se reproduzindo. A geneticista acha que é possível que algum outro gene tenha assumido as tarefas do SRY, mas, ainda não sabe que outro gene é esse.

 

Outros cientistas discordam da australiana e chamam a atenção para o fato de que o cromossomo Y não perdeu nenhum gene desde que os humanos e os chimpanzés se separaram em espécies diferentes, há 6 milhões de anos. Outros pesquisadores, alguns da área de antropologia, começam a se preocupar com a perda do poder masculino nas sociedades industriais. Sintomaticamente, “anthropos” significa homem. Além disso, surgiu, recentemente, o perigo das mudanças ambientais. Nota-se que a contagem de esperma humano vem caindo nos últimos anos, talvez devido ao aumento médio da temperatura no planeta.

 

Chutando de vez o pau da barraca, há até quem pergunte para que é mesmo que serve o sexo. Como é sabido, muitas espécies podem se reproduzir sem usar esse processo, como é o caso das bactérias. E nem precisa ser unicelular para conseguir essa proeza. Uma dragoa de Komodo virgem pode ter filhotes. E existe um pequeno vertebrado, chamado de bdeloid rotifer, que sobrevive sem sexo há mais de 85 milhões de anos. Eu ia dizendo coitado, mas reparei que o termo não se aplica ao caso.

 

Um economista típico, calculando o custo-benefício da reprodução sexual pode concluir que não justifica o esforço. A reprodução assexuada é simples, requer pouca energia e produz o dobro de filhotes por mãe. Por que, então, o sexo para reprodução é o método preferido por quase todas as espécies de vertebrados?

 

A explicação mais aceita para esse aparente paradoxo apela para a diversidade nas espécies. A reprodução assexuada apenas reproduz clones da mãe. Na reprodução por sexo, os genes da mãe e do pai se misturam produzindo filhotes diferentes, aumentando a probabilidade de alguns deles serem capazes de sobreviver em vários ambientes.

 

Tem também, é claro, a questão do prazer, provavelmente um truque da evolução para nos convencer a praticar o sexo. O filósofo grego Demócrito desaprovava o sexo, pois, dizia ele, desvia a mente dos cientistas de seu trabalho intelectual. O físico Leon Lederman, prêmio Nobel de 1988, afirma que concorda com o grego, mas que o preceito vale apenas para os teóricos, pois os experimentais não precisam pensar.

 

Voltando às previsões alarmantes da geneticista australiana, temos de admitir que o sexo masculino talvez esteja mesmo correndo perigo. Cientistas já conseguiram fazer com que ovos de mamíferos se autofertilizem em laboratório. Com o avanço das tecnologias médicas, pode surgir, no futuro, algum tipo de reprodução in vitro sem o cromossomo Y. Será apenas uma questão de tempo até que a própria natureza também descubra esse truque.

 

O homem não era necessário

Quem disse isso foi Vinícius de Moraes, em seu poema O Dia da Criação. Só que ele também incluiu as mulheres como supérfluas, argumentando que sem Adão e Eva o paraíso ainda estaria disponível aos outros animais.

 

Os artistas, de vez em quando, conseguem se antecipar aos cientistas na previsão de mudanças, naturais ou não. A novela gráfica Y: The Last Man passa-se em um mundo no qual os homens são extintos, restando apenas as mulheres que, obviamente, vão ter de achar alguma forma de não serem também eliminadas.

 

A autora americana Gwineth Jones escreveu o livro Life, história ficcional de uma cientista parecida com Jennifer Graves que sofre vários dissabores por causa de suas teorias. O interessante é que esse livro foi publicado bem antes das lamentáveis declarações de Lawrence Summer, reitor de Harvard, sobre o pequeno número de mulheres cientistas de reconhecido valor.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem Ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/01/17/noticiaaquitemciencia,3377884/o-declinio-do-mah.shtml

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