Cem anos de longevidade

Em 1915, a expectativa de vida média do brasileiro não chegava aos 35 anos. Hoje, em 2015, ela já é de 75 anos para os homens e 79 para as mulheres. A verdade é que esse progresso não foi apenas nosso; o aumento foi quase geral no mundo todo. Não preciso nem dizer que essa conquista se deveu, principalmente, aos avanços da medicina e dos hábitos de higiene. Mas, a ciência também quer saber se há fatores internos governando quanto tempo podemos viver.

 

Até onde vai essa tendência de aumento da longevidade humana?

Será que chegaremos, em um breve futuro, a uma média de vida superior a 100 anos?

 

Infelizmente, parece que não. Para mostrar como isso provavelmente não será alcançado, apresento aqui um resultado publicado pelo estatístico inglês Benjamin Gompertz, em 1825. Esse resultado pode ser resumido em um gráfico que mostra, para cada idade de uma pessoa, a probabilidade dela viver mais um ano. A primeira figura mostra a curva de Gompertz para as mulheres brasileiras de hoje, que alcançaram uma expectativa de vida média de quase 80 anos. Veja, por exemplo, que uma jovem brasileira de 68 anos tem 70% de chance de fazer 69.

 

A pergunta, então, é a seguinte: dá para esticar essa curva para o lado direito de tal modo que a idade máxima passe dos 100 anos? Os resultados estatísticos mostram que isso talvez não seja permitido pelas leis naturais. Veja, no segundo gráfico, como a curva de Gompertz evoluiu para a população de um país europeu típico. A vida média aumenta com o passar do tempo, mas, o valor máximo teima em ficar em torno dos 100 anos.

 

Há quem diga que nosso organismo já vem projetado de fábrica para uma vida limitada. Você pode até escapar das doenças e de outras ameaças externas, mas carrega um inimigo interno que se manifesta depois de algumas décadas de vida. Os cientistas observaram esse mecanismo de morte programada em bactérias e acham que ele também deve existir em seres multicelulares, como nós. Afinal de contas, todas as células animais e vegetais carregam remanescentes de uma bactéria que foi incorporada no início da vida na Terra e deu origem às mitocôndrias. Portanto, é provável que o mecanismo que age nas bactérias também exista dentro de nós e estabeleça um limite natural a nossa expectativa de vida.

 

Bem, se não dá para viver mais que 100 anos, talvez seja possível conseguir uma maneira de escapar das mazelas da velhice, como a caduquice e a artrite, sem falar nas piores. Seria bom, para quem já está descendo a ladeira da curva de Gompertz, que nem eu, que a ciência descobrisse como viver todos esses 100 anos com saúde e lucidez.

 

Felizmente, parece que isso não é proibido por nenhuma lei natural. Alguns animais, principalmente pássaros marinhos, têm saúde excelente até que caem mortos de repente. Médicos que estudam essa área de sobrevivência saudável acham que existem procedimentos que possibilitam ao ser humano viver uma vida longa sem as doenças típicas da velhice. Boa parte dessas práticas está ligada à alimentação, principalmente aquelas que são conhecidas como restrição calórica.

 

Meu espaço acabou e deixo para outra vez um relato sobre esses avanços da gerontologia. Mas, posso recomendar, aos interessados, alguns locais na internet com informações relevantes sobre esse tema:

www.seara.ufc.br/donafifi/donafifi.htm

http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2011/282/longevidade-fatos-e-ficcoes

http://longevity-science.org/

 

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/08/01/noticiaaquitemciencia,3477057/cem-anos-de-longevidade.shtml

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Caros amigos leitores da nossa coluna Visões do Cosmos, no artigo de hoje, resolvemos homenagear os 46 anos da “conquista” da Lua. Como sabemos, a primeira visita de um ser humano à Lua ocorreu em 20 de julho de 1969. Amanhã, completam-se 46 anos dessa façanha.

 

A Lua sempre chamou a atenção de todos os povos em todos os continentes e em todas as épocas. Sua aparição no céu noturno alimentou mentes inspiradoras e daí surgiram inúmeras lendas, fábulas, prosas, versos e livros.

 

Na mitologia, o mestre Rubens de Azevedo, que era um estudioso sobre a Lua, nos conta no seu livro No Mundo da Estelândia (Editora do Brasil, 1968):

 

“ARTÊMIS – que os romanos chamavam de Diana, mas que teve outros nomes, como Hécade, Febe, Lucina ou Cíntia, era filha de Zeus e de Latona, e irmã de Apolo. Nasceu em Delos e dizem que, testemunha das dores maternais de Latona, ficou com a mais profunda aversão à maternidade. Pediu e obteve dos deuses o favor de guardar uma virgindade perpétua, tal qual sua irmã Atena.

 

Astronauta Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua

 

Zeus deu-lhe de presente um belo arco e um carcás de flechas douradas e nomeou-a rainha dos bosques. Deu-lhe, como cortejo, um grupo de sessenta ninfas – As Oceanias e mais outras vinte – as Ásias. Diana exigia dessas jovens absoluta e inviolável castidade.

 

Acompanhada desse belo cortejo, a deusa passeava pelos bosques e se entregava à sua paixão favorita, a caça.

Na Terra ela é Diana ou Artêmis; no céu, Lua ou Febe; nos infernos, Hécate”

 

Como era de se esperar, a imaginação do homem também contemplava uma viagem ao nosso satélite natural. Há 150 anos, o grande escritor Júlio Verne publicou o livro “De la Terre à la Lune” (1865), onde descrevia a viagem de um grupo de homens até a Lua através de um grande canhão. Mais tarde, o francês Georges Méliès lançou o filme De la Terre à la Lune, em 1902, o que foi um dos primeiros filmes de ficção científica sobre uma viagem à Lua.

 

No final do século 19 e início do século 20, surgiu a Astronáutica. Ciência que estuda as condições de locomoção no espaço que envolve as tecnologias de construção de foguetes, cálculo de órbitas de satélites, trajetórias de sondas espaciais, transmissão e recepção de sinais entre a Terra e as naves, entre outras técnicas.

 

É curioso notar que os três principais precursores da Astronáutica, estudiosos teóricos e práticos sobre foguetes, viveram praticamente na mesma época, trabalhavam em temas semelhantes, chegaram a resultados quase iguais mas nunca se encontraram, eles são: o russo Konstantin Eduardovich Tsiolkosky (1857-1935), o americano Robert Hutchings Goddard (1822-1945) e o alemão Hermann Julius Oberth (1894-1989). Esses três cientistas inventaram a equação dos foguetes e se basearam no grande Isaac Newton, cujas teorias lançaram as condições básicas para o desenvolvimento da Astronáutica.

 

No final da Segunda Guerra Mundial, a antiga União Soviética e os Estados Unidos apreenderam vários cientistas alemães, dentre eles, engenheiros projetistas do foguete V2. Especialmente para os Estados Unidos, foi importante a captura de Wernher Von Braun. Ironicamente, o homem que participou do projeto das bombas V2 projetou o foguete Saturno V que levou o homem à Lua.

 

E a “Águia Pousou”! “No dia 20 de julho de 1969, enquanto a nave passava pela face oculta da Lua, o Módulo Lunar, batizado de Águia, se separou do Módulo de Comando e iniciou a descida. A bordo estavam Neil Armstrong e Edwin Aldrin. Quando estavam a 15km da superfície lunar os computadores indicaram que o comandante Armstrong tinha apenas cinco segundos para decidir se pousa ou volta para o módulo de comando, e ele decidiu – “prosseguir”.

 

Essa façanha nunca foi superada até agora. Com isso Armstrong e Aldrin puderam ver, pela primeira vez, o solo lunar.

 

Como era de se esperar, a imaginação do homem também contemplava uma viagem ao nosso satélite natural

Autor: Dermeval Carneiro

Coluna Visões da Ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/visoesdocosmos/2015/07/18/noticiasvisoesdocosmos,3471297/lua-degrau-para-o-infinito.shtml

Caros amigos leitores da nossa coluna Visões do Cosmos, no artigo de hoje, resolvemos homenagear os 46 anos da “conquista” da Lua. Como sabemos, a primeira visita de um ser humano à Lua ocorreu em 20 de julho de 1969. Amanhã, completam-se 46 anos dessa façanha.

A Lua sempre chamou a atenção de todos os povos em todos os continentes e em todas as épocas. Sua aparição no céu noturno alimentou mentes inspiradoras e daí surgiram inúmeras lendas, fábulas, prosas, versos e livros. 

Na mitologia, o mestre Rubens de Azevedo, que era um estudioso sobre a Lua, nos conta no seu livro No Mundo da Estelândia (Editora do Brasil, 1968):

“ARTÊMIS – que os romanos chamavam de Diana, mas que teve outros nomes, como Hécade, Febe, Lucina ou Cíntia, era filha de Zeus e de Latona, e irmã de Apolo. Nasceu em Delos e dizem que, testemunha das dores maternais de Latona, ficou com a mais profunda aversão à maternidade. Pediu e obteve dos deuses o favor de guardar uma virgindade perpétua, tal qual sua irmã Atena.

Astronauta Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua

Zeus deu-lhe de presente um belo arco e um carcás de flechas douradas e nomeou-a rainha dos bosques. Deu-lhe, como cortejo, um grupo de sessenta ninfas – As Oceanias e mais outras vinte – as Ásias. Diana exigia dessas jovens absoluta e inviolável castidade.

Acompanhada desse belo cortejo, a deusa passeava pelos bosques e se entregava à sua paixão favorita, a caça.

Na Terra ela é Diana ou Artêmis; no céu, Lua ou Febe; nos infernos, Hécate”

 

Como era de se esperar, a imaginação do homem também contemplava uma viagem ao nosso satélite natural. Há 150 anos, o grande escritor Júlio Verne publicou o livro “De la Terre à la Lune” (1865), onde descrevia a viagem de um grupo de homens até a Lua através de um grande canhão. Mais tarde, o francês Georges Méliès lançou o filme De la Terre à la Lune, em 1902, o que foi um dos primeiros filmes de ficção científica sobre uma viagem à Lua.

 

No final do século 19 e início do século 20, surgiu a Astronáutica. Ciência que estuda as condições de locomoção no espaço que envolve as tecnologias de construção de foguetes, cálculo de órbitas de satélites, trajetórias de sondas espaciais, transmissão e recepção de sinais entre a Terra e as naves, entre outras técnicas.

 

É curioso notar que os três principais precursores da Astronáutica, estudiosos teóricos e práticos sobre foguetes, viveram praticamente na mesma época, trabalhavam em temas semelhantes, chegaram a resultados quase iguais mas nunca se encontraram, eles são: o russo Konstantin Eduardovich Tsiolkosky (1857-1935), o americano Robert Hutchings Goddard (1822-1945) e o alemão Hermann Julius Oberth (1894-1989). Esses três cientistas inventaram a equação dos foguetes e se basearam no grande Isaac Newton, cujas teorias lançaram as condições básicas para o desenvolvimento da Astronáutica.

 

No final da Segunda Guerra Mundial, a antiga União Soviética e os Estados Unidos apreenderam vários cientistas alemães, dentre eles, engenheiros projetistas do foguete V2. Especialmente para os Estados Unidos, foi importante a captura de Wernher Von Braun. Ironicamente, o homem que participou do projeto das bombas V2 projetou o foguete Saturno V que levou o homem à Lua.

 

E a “Águia Pousou”! “No dia 20 de julho de 1969, enquanto a nave passava pela face oculta da Lua, o Módulo Lunar, batizado de Águia, se separou do Módulo de Comando e iniciou a descida. A bordo estavam Neil Armstrong e Edwin Aldrin. Quando estavam a 15km da superfície lunar os computadores indicaram que o comandante Armstrong tinha apenas cinco segundos para decidir se pousa ou volta para o módulo de comando, e ele decidiu – “prosseguir”.

 

Essa façanha nunca foi superada até agora. Com isso Armstrong e Aldrin puderam ver, pela primeira vez, o solo lunar.

 

Como era de se esperar, a imaginação do homem também contemplava uma viagem ao nosso satélite natural

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A Sala Chinesa de John Searle

Em uma coluna anterior, falamos do famoso Teste de Turing que foi proposto pelo matemático inglês Alan Turing para avaliar se um computador poderia entabular uma conversa tão coerente que seria considerado possuidor de uma mente semelhante à mente humana.

 

Isso induz a uma pergunta que vem sendo feita há algum tempo: uma máquina pode pensar? Se nosso cérebro for considerado uma máquina, é claro que pode. Mas, o que dizer de algo feito de metal e plástico, um computador, por exemplo?

 

Pesquisadores da área de Inteligência Artificial (IA) dita “forte” acreditam que um dia haverá algum programa de computador tão complexo e sofisticado que será capaz de reproduzir qualquer tipo de ação desempenhada por um cérebro, inclusive raciocinar, tomar decisões inteligentes, ter sentimentos e tudo mais que hoje se pensa ser exclusivo de seres vivos, como os humanos. Note-se que eles falam de programas (“software”) que, em princípio poderiam ser implantados em qualquer tipo de computador (“hardware”) suficientemente poderoso. Já o pessoal da IA dita “fraca” acha que esse computador apenas simularia uma mente.

 

O filósofo John Searle, da Universidade de Berkeley, afirma que nenhum programa de computador, por mais complexo e avançado, será capaz de pensar. Para justificar sua objeção, Searle bolou um experimento mental que ficou conhecido como a Sala Chinesa.

 

Suponha que eu, que não sei absolutamente nada de chinês, estou dentro de uma sala fechada onde existem caixas com coleções de símbolos chineses. Para mim, que só entendo português, esses símbolos não têm qualquer significado. Mas, existe na sala um enorme Manual de Instruções escrito em português que me ensina como manipular esses símbolos. Outra pessoa, conhecedora da língua chinesa, está fora da sala e organiza perguntas ou frases coerentes em chinês, sobre qualquer assunto, juntando símbolos em pacotes que são passados para mim através de uma abertura. Meu trabalho será usar o Manual de Instruções para formar uma nova coleção de símbolos que produza uma resposta coerente (em chinês) às questões que recebi pela abertura. Considerando que os símbolos e o Manual sejam bem completos, a pessoa do lado de fora vai achar que está se comunicando com alguém que sabe chinês. Sendo que eu, na verdade, não sei absolutamente nada dessa língua.

A Sala Chinesa pode ser considerada como um “computador” que aparenta saber chinês sem saber. Da mesma forma, diz Searle, um computador que passa pelo famoso Teste de Turing aparenta pensar, mas não pensa, pois não dispõe dos processos mentais inerentes ao pensamento.

 

Alguns proponentes da IA “forte” argumentam que a pessoa dentro da sala pode até não saber chinês, mas, a sala toda (a pessoa, as caixas de símbolos e o Manual de Instruções) sabe. Isto é, o “sistema” completo sabe chinês, como o computador que passa pelo Teste de Turing pode também ser considerado como “pensante”.

 

Searle não concorda com essa conclusão e argumenta que a sala é até desnecessária. A pessoa que está nela poderia, em princípio, ser dotada de uma memória excepcional e decorar tudo, símbolos e Manual. A troca de símbolos poderia acontecer fora da sala, os dois humanos frente a frente. O “sistema”, ou o homem que decorou tudo, se apresentaria como se fosse um surdo-mudo, comunicando-se em chinês por esses conjuntos de símbolos. Mesmo assim, segundo Searle, não seria correto dizer que a pessoa saberia chinês. “Conversar” em chinês não equivale a “entender” chinês. Essa pessoa, ou um programa de computador em seu lugar, estaria usando apenas a “sintaxe” da língua chinesa, mas não teria acesso à sua “semântica”.

 

Um computador usual funciona em série, manipulando bits de forma sequencial. Mas, já existem computadores com processamento paralelo e uma arquitetura que tenta reproduzir a estrutura de um cérebro, com neurônios e sinapses convenientemente plásticas a ponto de serem modificadas à medida que a máquina vai recebendo novas informações. Em outras palavras, esse tipo de computador que usa uma rede neural artificial é capaz de “aprender” enquanto manipula os dados que recebe. Se um computador desse tipo for usado em uma Sala Chinesa de Searle, sua troca de informação com o humano chinês seria cada vez mais elaborada e perfeita. Nesse caso, poderíamos dizer que essa máquina acabaria “entendendo” chinês?

 

Searle protesta dizendo que esse exemplo contradiz os defensores da IA “forte”, pois depende não apenas do programa (o “software”). Assim mesmo, segundo ele, essa máquina nunca entenderia o chinês, apenas simularia esse entendimento. Um computador e seu programa, por mais sofisticados, apenas processam informações – e processamento de informação não equivale a pensar.

 

Na verdade, diz Searle, o pensamento consciente deriva, necessariamente, de processos físico-químicos que não são reproduzidos em nenhum computador. A mente, segundo ele, não pode ser dissociada do cérebro. Aliás, não apenas do cérebro, mas de todo o organismo que interage com o cérebro trocando informações enquanto troca moléculas biológicas.

 

A ideia, usada por autores de ficção científica, de que seria possível “exportar” uma mente de um cérebro para uma máquina externa, é inteiramente equivocada, segundo o filósofo americano.

 

O matemático inglês Roger Penrose concorda com Searle e também acha que uma mente não pode ser reproduzida por um algoritmo. No entanto, ele acha que os processos mentais dependem de processos quânticos, como a superposição de estados. Esses processos, ausentes de sistemas ou máquinas clássicas, seriam essenciais para o funcionamento de uma mente consciente. Essa é outra vertente muito interessante da controvérsia sobre máquinas “pensantes” que vale a pena acompanhar. Infelizmente, o espaço dessa coluna é limitado e tenho de deixar esse assunto para alguma ocasião futura.

 

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/07/04/noticiaaquitemciencia,3464099/a-sala-chinesa-de-john-searle.shtml

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Divulgação científica no Ceará

A boa divulgação científica, além de informar sobre temas de ciência e tecnologia de forma acessível, deve ter qualidade literária e artística. No Brasil, a divulgação científica ainda é muito incipiente e nem sempre cumpre os requisitos de unir informação precisa à boa leitura. Hoje, falarei de algumas produções de autores cearenses que tratam de temas relacionados com a ciência e estão certamente entre as melhores em língua portuguesa.

 

Essa relação não é resultado de nenhuma pesquisa intensiva e inclui apenas alguns exemplos que julgo correto recomendar aos leitores. Se algum leitor da coluna conhecer outros trabalhos de qualidade nessa área, de autores cearenses, eu ficaria feliz de conhecer e divulgar. Além disso, me limitei a comentar apenas sobre livros, deixando para outra ocasião uma relação de outros tipos de divulgação, como vídeos, peças teatrais e artes gráficas.


História do Universo

 

Edmac Trigueiro – Editora Novo Século (2011)

Este livro e o que se segue foram escritos por um profissional da área jurídica, o procurador Edmac Trigueiro, que conseguiu, de forma surpreendentemente, juntar uma prosa agradável com riqueza de detalhes e correção nos conceitos. Nessa obra, discorre sobre teorias e descobertas da cosmologia que levaram ao que conhecemos hoje sobre a origem e evolução do universo. O físico cearense Cláudio Lenz Cesar diz no prefácio que “esse livro seria uma ótima leitura complementar recomendada por professores do Ensino Médio”. Concordo, mas acrescento que ele pode ser lido com prazer por qualquer pessoa interessada em saber mais sobre as grandes questões da física e da cosmologia no estágio atual.


História da Vida


Edmac Trigueiro –  Editora Novo Século (2015)

Nesse trabalho, o autor aborda o que se sabe sobre a origem da vida na Terra, desde o ser primordial, apelidado de LUCA, até a nossa espécie, o homo sapiens. Diferente das teorias da física e da cosmologia, nesse, Trigueiro informa com propriedade que a única teoria aceita com unanimidade é a Teoria da Evolução de Charles Darwin. O autor diz, no prefácio, que “gostaria que esse livro fosse lido como quem assiste a uma sessão de cinema, em um sábado à tarde”. Posso atestar que essa intenção do autor foi realizada, pois se trata de leitura leve e prazerosa e muito proveitosa por quem busca aumentar seu conhecimento acerca das conquistas da ciência da vida.

 

O peso da luz: Einstein no Ceará


Ana Miranda – Armazém da Cultura (2013)

É uma obra de ficção que trata de um evento científico de grande importância e repercussão, a comprovação da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein no eclipse solar observado em Sobral em 29 de maio de 1919. Misturando fatos e personagens reais e fictícios, a autora une excelente qualidade literária a um relato fiel e emocionante desse momento.
Podemos classificar este livro como divulgação científica, embora seja uma obra literária de ficção, pois desperta a curiosidade pelos fatos descritos e estimula o desejo de procurar mais informações sobre o tema. E essa é a maior missão de um bom trabalho de divulgação científica.

 

O poder e a peste


Lyra Neto – Edições Fundação Demócrito Rocha (1999)

Também este livro não foi escrito com a intenção de divulgar ciência, pois é uma biografia do cientista-literato baiano-cearense Rodolfo Teófilo que, entre outros feitos, erradicou a varíola no Ceará, inventou a cajuína e ajudou a fundar a Padaria Espiritual. Entretanto, como o livro descreve com detalhes e precisão todo o processo de imunização dessa doença terrível, creio que não é nenhum exagero classificá-lo como divulgação de ciência, além de obra literária de grande nível. Principalmente levando em conta que quase ninguém mais se deu ao trabalho de informar sobre a vida e a obra de nossos cientistas, o que é uma pena.

Descobrindo os tesouros do Cariri


Lana Luiza Maia e Alexandre Sales – Editora Littere (2010)

Literatura infantil também pode ser divulgação científica de qualidade e este livro cumpre esse requisito. Com ilustrações de Diana Medina, o livro conta histórias da geologia e da paleontologia do Cariri, fala sobre os fósseis e convida o leitor a conhecer os vários museus da região. A qualidade do texto e das ilustrações é muito boa. Seria ótimo se trabalhos assim fossem mais frequentes, principalmente aqueles destinados ao público infantojuvenil, como é o caso deste livro.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/06/06/noticiaaquitemciencia,3448636/divulgacao-cientifica-no-ceara.shtml

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Samaricas parteiras

Como diria o poeta e declamador Jessier Quirino,“derna” que Adão era cadete nasce menino nesse mundão de meu deus! As etapas ainda são as mesmas: a concepção, a gestação e, por fim, a parturição. Os métodos para cada etapa é que mudaram com o tempo. A concepção pode ocorrer da natural cópula entre macho e fêmea à inseminação artificial, isto é, pela inserção manual do sêmen no interior do útero para ali ocorrer a fecundação. A concepção também pode se dar pela fertilização in vitro, ou seja, a fecundação acontece fora do organismo materno e, posteriormente, o embrião é implantado no útero, gerando o famoso “bebê de proveta”.

 

A gestação também mudou e o período biológico de 38 semanas para o feto se desenvolver até o nascimento pode não necessariamente ocorrer no útero da futura mamãe. Basta vasculhar os noticiários mais recentes para perceber a intensidade dessas mudanças. Por exemplo, dois brasileiros viajaram à Tailândia para alugar uma barriga. Isso mesmo, barriga de aluguel! Uma tailandesa recebeu implantados embriões concebidos em laboratório a partir da junção dos espermatozoides desses dois mineiros de Governador Valadares com óvulos obtidos de uma mulher sul-africana, tudo realizado por especialistas israelenses. Ao fim desta aventura internacional, o casal voltou ao Brasil com duas filhas nos braços.

 

Para a terceira etapa, a parturição, existem também vários métodos, naturais ou cirurgicamente induzidos. Normalmente, o organismo feminino está preparado para executar essa missão que se divide em fases: contrações uterinas, dilatação do colo do útero, expulsão do feto, liberação da placenta e interrupção da hemorragia após o descolamento de material intrauterino. Como um dos momentos mais importantes para as mães, ao todo, o parto pode durar horas. Pode até ser eterno, quer dizer, eternizado. Cito aqui o “causo” de Zé Dantas, musicalmente eternizado por Luiz Gonzaga. Para quem não conhece a música, podemos considerá-la como homenagem às parteiras.

 

Jovita, mulher de Capitão Balbino Gironde, dito Barbino, subitamente passou a sentir dor-de-menino e, após o primeiro gemido, veio a ordem: “Lula! Vá ligeiro buscar Samarica Parteira!” Ele prontamente assim o fez montado em sua égua e, depois de muitas cancelas, piriricos tico-ticos e patatecos teco-tecos, Lula chegou ao seu destino: “Samarica, ooooh, Samarica Parteeeeira!” Apesar da resposta lamuriosa pela noite avançada, “Essas hora, Lula?”, os dois retornaram rapidamente à Fazenda Baraúna para acudir a mulher do capitão. Lá, a equipe de Samarica estava completa e as comadres Tota, Gerolina, Toinha e Zefa acunhavam na reza a São Raimundo para apressar a chegada do herdeiro e diminuir o aparente sofrimento da parturiente.

 

É possível que Jovita estivesse deitada em um sofredouro, espécie de cama de couro na qual algumas gestantes das zonas rurais passavam os primeiros momentos do parto. Ao chegar,
Samarica vestiu indumentárias limpas, amarrou um pano na cabeça, acendeu um incenso, pediu uma lasca de fumo de Arapiraca e a deu para Jovita mascar, hábito atualmente não recomendável às parturientes, mas já relatado em estudos científicos realizados em regiões rurais de outras partes do mundo, desde países asiáticos a nórdicos, obviamente não com o produto arapiraquense.

 

E o parto foi se sucedendo.

“Ai, Samarica, que dô!”

 

“É assim mermo, minha fi’a, aproveite a dô… Capitão Barbino, tem cibola do Cabrobró?” “Ai Samarica! Cebola não, que eu espirro.” “Pois é prá espirrar mesmo minha fi’a, ajuda! Dê uma garrafa pr’ela soprá, dê!”

 

O diálogo retrata procedimento cientificamente conhecido como manobra de Valsalva, descrita pelo italiano Antonio Maria Valsalva, médico do fim do século XVII. Realizamos essa manobra frequentemente em atividades fisiológicas, por exemplo, ao tossir, espirrar, defecar ou mesmo ao levantar coisas pesadas. Já notaram que nesses esforços corriqueiros normalmente bloqueamos a expiração e o ar não consegue momentaneamente deixar os pulmões? Pois é, isso serve para aumentar a pressão no tórax que, combinada com a contração da musculatura na barriga da parturiente, resulta em maior pressão no abdômen, desejável no momento do parto. Daí a ideia de provocar espirros com a cebola, irritante para as vias aéreas. A garrafa, por sua vez, simularia o fechamento da glote e o aprisionamento do ar nos pulmões durante o esforço.

 

Para o parto, Samarica deve ter posicionado Jovita adequadamente a fim de aparar o rebento. Como recurso, as parteiras usavam antigos bancos de parto, alguns confeccionados em madeira em formato de V para garantir a melhor ergonomia possível para a época. Há relatos de que serviam a esse propósito desde tempos medievais, e esse utensílio acabou aportando por essas bandas nordestinas durante a colonização. O parto de Jovita só se resolveu quando Samarica considerou ineficazes as preces a São Raimundo e apelou a outro: “Sant’ Antoin pequenino, mansadô de burro brabo, fazei nascer esse menino, com mil e seiscentos diabo!” Aí, o pequeno Bastião nasceu e capitão Barbino disparou um tiro de espingarda de lascar o cano que foi ouvido em redor de 7 léguas.

 

Se alguém tiver interesse no tema, pode visitar o Museu do Parto localizado na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand, em Fortaleza. Apesar de pequeno, possui um exemplar de sofredouro, vários bancos de parto, inclusive um inusitado banco feito com uma vértebra de baleia antigamente usado pelas parteiras da praia do Cumbuco.

Estas são apenas algumas das peças do pequeno museu coordenado pela professora Silvia Bomfim Hyppolito, em tributo ao professor Galba Araújo, um dos nomes mais importantes da Ginecologia e Obstetrícia cearenses. O museu retrata o papel das queridas parteiras em tempos outros e a evolução para o parto humanizado.

 

NOTA: Esse texto é nossa homenagem ao Dia das Mães e foi escrito pelo professor Pedro Magalhães, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).

 

O link para o Museu do Parto é: http://www.meac.ufc.br/site.php?pag=158

 

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/05/09/noticiaaquitemciencia,3434471/samaricas-parteiras.shtml

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A insignificante leveza de ser… mosca

De repente, uma mosca mergulha na sua sopa. Desagradável! Esses seres insignificantes, desprezíveis! Argh! Apesar disso, esses pequenos insetos há muito tempo fazem sucesso na ciência como modelo para investigações biológicas e já nos ajudaram a compreender fenômenos que participam de problemas importantes, desde o alcoolismo à doença de Alzheimer. Como modelo experimental, em laboratório, as moscas oferecem várias vantagens como cobaias: possuem ciclo de vida curto (12 dias), são fáceis de criar e manter em cativeiro e possuem baixo número de cromossomos (4 pares; o homem possui 23), o que as tornam seres um pouco menos complexos que os animais filogeneticamente superiores. Apesar disso, cerca de 60% dos genes associados com câncer e doenças genéticas em seres humanos são também encontrados no genoma da mosca. Daí, pode-se ver que esse animalzinho talvez não seja tão desprezível, tão insignificante assim.

 

Grande contribuição dada pelas moscas ocorreu com a identificação de uma família de genes que codificam proteínas ditas do tipo Toll. Em alemão, Toll quer dizer excelente, legal, espantoso. Na última copa os torcedores alemães devem ter gritado “toll” umas sete vezes, ao menos. Essas proteínas foram identificadas por pesquisadores alemães na mosca-da-fruta (cujo nome científico é Drosophila melanogaster) e rendeu o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia a Christiane Nüsslein-Volhard em 1995.

 

Nosso organismo é capaz de reconhecer agentes estranhos, patogênicos ou não, e isso é feito em parte através dessas proteínas Toll. Por exemplo, imagine um microorganismo invasor. Quando ativadas pela presença desse microorganismo, as proteínas Toll ativam células inflamatórias de defesa do hospedeiro cujo objetivo é aniquilar a invasão. A inflamação gerada como resposta nesse exemplo é a forma que nosso corpo tem que se defender da invasão dos micróbios.

 

Nos mamíferos, incluindo o homem, existem várias proteínas já caracterizadas como receptores do tipo Toll. Até agora, foram descritas 11 tipos dessas proteínas em humanos, cada uma delas parecendo desempenhar um papel no reconhecimento bacteriano por ativar as defesas inatas do corpo, aquelas que já nascemos com ela, nossas defesas naturais. E quem ativa essas proteínas? Existem vários e diversificados ligantes, como são chamados seus ativadores, muitos dos quais produtos microbianos que indicam a presença de infecção.

 

O receptor do tipo Toll 4 (TLR4) foi o primeiro a ser caracterizado em humanos. Ele existe em uma grande variedade de células, mas está predominantemente presente em células do sistema imunológico como nos macrófagos e nas células dendríticas, ambas chamadas de células apresentadoras de antígenos, cuja função é a de enredar às outras células de defesa quando nosso organismo está sob ameaça. Por afinidade química, o TLR4, digamos, é cutucado pelo LPS, uma endotoxina encontrada na superfície externa de várias bactérias. Quando essa interação acontece no nosso organismo, a detecção dessa toxina provoca forte resposta do sistema imunológico que pode se refletir, por exemplo, em febre, sinal de alerta para indicar que bactérias patogênicas estão “aprontando” conosco.

 

A diversidade de proteínas do tipo Toll é de fundamental importância para a defesa do organismo contra os inúmeros tipos de ameaças externas, como bactérias, vírus e fungos. Uma vez que estas proteínas sejam ativadas, haverá interpretação e tradução do sinal biológico através da indução de vários genes e a consequente produção de moléculas que atuam na conversação entre as diversas células de defesa do hospedeiro mediante ativação e modulação do processo inflamatório para, enfim, destruir os patógenos. Mas parece que não é só isso que elas são capazes de fazer.

 

Aqui pelo Ceará, por exemplo, tem gente interessada no estudo dessas proteínas. Já falamos anteriormente nesta coluna que a quimioterapia do câncer pode provocar inflamação intestinal, a mucosite. Pois bem, no decurso de uma mucosite, é possível ocorrer o rompimento da barreira de proteção intestinal em decorrência da agressão química provocada pelos remédios usados para combater o câncer. Como consequência, bactérias intestinais podem invadir a corrente sanguínea e causar danos no fígado, mais especificamente uma condição chamada de esteato-hepatite, ou seja, o fígado inflamado fica gorduroso. Esse é um dos temas estudados pelos pesquisadores que compõem o Núcleo de Estudos da Toxicidade do Tratamento Oncológico na Faculdade de Medicina da UFC, um dos mais respeitados grupos de pesquisa nessa área no Brasil.

 

Os estudos liderados pelos professores Ronaldo Ribeiro e Roberto César Lima Júnior incluem modelos experimentais desenvolvidos de forma inédita em camundongos e que simulam as toxicidades do tratamento do câncer em humanos. Através desse modelo experimental, foi possível confirmar que a esteato-hepatite, frequentemente observada em pacientes submetidos ao tratamento de câncer de cólon e de reto, é causada pela quimioterapia e que ela varia desde a simples esteatose até lesões hepáticas mais severas com ocorrência de fibrose e necrose, ou seja, as células do fígado passam uns perrengues danados. Dentre os mecanismos envolvidos na progressão dessa toxicidade sobre o fígado, a ativação de proteínas TLR4 parece desempenhar um papel central. E é exatamente para entender como proteínas Toll, como o TLR4, contribuem para causar essas respostas danosas ao fígado e em outros tecidos é que esses pesquisadores têm se dedicado a estuda-las.

 

É provável que as proteínas Toll se transformem em alvos para o desenvolvimento de novos medicamentos, mas ainda precisamos conhecer muito sobre o modo como elas funcionam no nosso organismo. Além disso, existem muitos outros fenômenos em que as moscas servem de modelo para o avanço da biologia como ciência, mas trataremos deles em outras oportunidades.

 

O texto de hoje foi escrito pelo farmacêutico Lucas de Lima Carvalho, estudante do Mestrado em Farmacologia da UFC, em parceira com o professor Roberto César Pereira Lima Júnior, ambos integrantes do projeto cearense que aborda os receptores Toll na toxicidade do tratamento oncológico.

 

* FONTE DA IMAGEM: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Drosophila-melanogaster-Nauener-Stadtwald-03-VII-2007-10.jpg?uselang=pt-br

 

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/04/11/noticiaaquitemciencia,3421014/a-insignificante-leveza-de-ser-mosca.shtml

De repente, uma mosca mergulha na sua sopa. Desagradável! Esses seres insignificantes, desprezíveis! Argh! Apesar disso, esses pequenos insetos há muito tempo fazem sucesso na ciência como modelo para investigações biológicas e já nos ajudaram a compreender fenômenos que participam de problemas importantes, desde o alcoolismo à doença de Alzheimer. Como modelo experimental, em laboratório, as moscas oferecem várias vantagens como cobaias: possuem ciclo de vida curto (12 dias), são fáceis de criar e manter em cativeiro e possuem baixo número de cromossomos (4 pares; o homem possui 23), o que as tornam seres um pouco menos complexos que os animais filogeneticamente superiores. Apesar disso, cerca de 60% dos genes associados com câncer e doenças genéticas em seres humanos são também encontrados no genoma da mosca. Daí, pode-se ver que esse animalzinho talvez não seja tão desprezível, tão insignificante assim.

 

Grande contribuição dada pelas moscas ocorreu com a identificação de uma família de genes que codificam proteínas ditas do tipo Toll. Em alemão, Toll quer dizer excelente, legal, espantoso. Na última copa os torcedores alemães devem ter gritado “toll” umas sete vezes, ao menos. Essas proteínas foram identificadas por pesquisadores alemães na mosca-da-fruta (cujo nome científico é Drosophila melanogaster) e rendeu o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia a Christiane Nüsslein-Volhard em 1995.

 

Nosso organismo é capaz de reconhecer agentes estranhos, patogênicos ou não, e isso é feito em parte através dessas proteínas Toll. Por exemplo, imagine um microorganismo invasor. Quando ativadas pela presença desse microorganismo, as proteínas Toll ativam células inflamatórias de defesa do hospedeiro cujo objetivo é aniquilar a invasão. A inflamação gerada como resposta nesse exemplo é a forma que nosso corpo tem que se defender da invasão dos micróbios.

 

Nos mamíferos, incluindo o homem, existem várias proteínas já caracterizadas como receptores do tipo Toll. Até agora, foram descritas 11 tipos dessas proteínas em humanos, cada uma delas parecendo desempenhar um papel no reconhecimento bacteriano por ativar as defesas inatas do corpo, aquelas que já nascemos com ela, nossas defesas naturais. E quem ativa essas proteínas? Existem vários e diversificados ligantes, como são chamados seus ativadores, muitos dos quais produtos microbianos que indicam a presença de infecção.

 

O receptor do tipo Toll 4 (TLR4) foi o primeiro a ser caracterizado em humanos. Ele existe em uma grande variedade de células, mas está predominantemente presente em células do sistema imunológico como nos macrófagos e nas células dendríticas, ambas chamadas de células apresentadoras de antígenos, cuja função é a de enredar às outras células de defesa quando nosso organismo está sob ameaça. Por afinidade química, o TLR4, digamos, é cutucado pelo LPS, uma endotoxina encontrada na superfície externa de várias bactérias. Quando essa interação acontece no nosso organismo, a detecção dessa toxina provoca forte resposta do sistema imunológico que pode se refletir, por exemplo, em febre, sinal de alerta para indicar que bactérias patogênicas estão “aprontando” conosco.

 

A diversidade de proteínas do tipo Toll é de fundamental importância para a defesa do organismo contra os inúmeros tipos de ameaças externas, como bactérias, vírus e fungos. Uma vez que estas proteínas sejam ativadas, haverá interpretação e tradução do sinal biológico através da indução de vários genes e a consequente produção de moléculas que atuam na conversação entre as diversas células de defesa do hospedeiro mediante ativação e modulação do processo inflamatório para, enfim, destruir os patógenos. Mas parece que não é só isso que elas são capazes de fazer.

 

Aqui pelo Ceará, por exemplo, tem gente interessada no estudo dessas proteínas. Já falamos anteriormente nesta coluna que a quimioterapia do câncer pode provocar inflamação intestinal, a mucosite. Pois bem, no decurso de uma mucosite, é possível ocorrer o rompimento da barreira de proteção intestinal em decorrência da agressão química provocada pelos remédios usados para combater o câncer. Como consequência, bactérias intestinais podem invadir a corrente sanguínea e causar danos no fígado, mais especificamente uma condição chamada de esteato-hepatite, ou seja, o fígado inflamado fica gorduroso. Esse é um dos temas estudados pelos pesquisadores que compõem o Núcleo de Estudos da Toxicidade do Tratamento Oncológico na Faculdade de Medicina da UFC, um dos mais respeitados grupos de pesquisa nessa área no Brasil.

 

Os estudos liderados pelos professores Ronaldo Ribeiro e Roberto César Lima Júnior incluem modelos experimentais desenvolvidos de forma inédita em camundongos e que simulam as toxicidades do tratamento do câncer em humanos. Através desse modelo experimental, foi possível confirmar que a esteato-hepatite, frequentemente observada em pacientes submetidos ao tratamento de câncer de cólon e de reto, é causada pela quimioterapia e que ela varia desde a simples esteatose até lesões hepáticas mais severas com ocorrência de fibrose e necrose, ou seja, as células do fígado passam uns perrengues danados. Dentre os mecanismos envolvidos na progressão dessa toxicidade sobre o fígado, a ativação de proteínas TLR4 parece desempenhar um papel central. E é exatamente para entender como proteínas Toll, como o TLR4, contribuem para causar essas respostas danosas ao fígado e em outros tecidos é que esses pesquisadores têm se dedicado a estuda-las.

 

É provável que as proteínas Toll se transformem em alvos para o desenvolvimento de novos medicamentos, mas ainda precisamos conhecer muito sobre o modo como elas funcionam no nosso organismo. Além disso, existem muitos outros fenômenos em que as moscas servem de modelo para o avanço da biologia como ciência, mas trataremos deles em outras oportunidades.

 

O texto de hoje foi escrito pelo farmacêutico Lucas de Lima Carvalho, estudante do Mestrado em Farmacologia da UFC, em parceira com o professor Roberto César Pereira Lima Júnior, ambos integrantes do projeto cearense que aborda os receptores Toll na toxicidade do tratamento oncológico.

 

* FONTE DA IMAGEM: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Drosophila-melanogaster-Nauener-Stadtwald-03-VII-2007-10.jpg?uselang=pt-br

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