15 anos de Vitória

Como diria meu amigo e parceiro Antônio José Silva Lima, médico de muita gente nessa cidade, a forma mais prazerosa de se fazer um filho ainda é a tradicional. Nas palavras de Carlos Drummond de Andrade, o procedimento consiste em “deitar, copular e esperar que do abdômen brote a flor do homem”.

Só que isso nem sempre funciona. O próprio Antônio José tinha mais de 60 anos quando casou com a arquiteta Tatiana, bem mais nova que ele. Ela queria ter filhos, é claro, mas a gravidez não chegava e o casal procurou auxílio especializado. Os exames mostraram que a moça tinha algum problema que impedia a fertilização do óvulo no útero. Quem conhece o Zé já poderia imaginar seu comentário: “ninguém vai acreditar que a culpa não é do velho”.

 

O casal resolveu, então, tentar a fertilização in vitro (FIV), recurso da medicina moderna que tornou possível o chamado “bebê de proveta”. O resultado não poderia ser melhor, pois trouxe João, hoje esse menino feliz que vemos na foto com os pais.

 

João foi uma das mais de 800 crianças geradas pela FIV no Ceará, desde outubro de 1999, quando nasceu Vitória Sheryda Sousa, primeiro bebê de proveta cearense. O médico que trouxe ao mundo tanto Vitória quanto João foi meu xará Evangelista Torquato. Atualmente, esse procedimento que fez a felicidade de muitos casais cearenses com problemas de fertilidade, já pode ser considerado como rotineiro, mas, há 15 anos, foi uma façanha admirável da nossa medicina.

 

A técnica consiste em fertilizar óvulos da mãe com espermatozoides do pai fora do útero, e o processo é dito “in vitro” por ser feito em uma placa cilíndrica e rasa de vidro chamada “placa de Petri”. O termo “bebê de proveta”, portanto, não é bem correto, pois a fertilização não se dá nesses tubos de laboratório. Depois que a fertilização acontece, os óvulos fertilizados são deixados em um meio de cultura por cerca de cinco dias e depois transferidos para o útero da mãe. Em casos de mulheres que não podem receber seus óvulos fertilizados por apresentarem algum problema fisiológico, pode-se ainda usar o recurso de uma “barriga de aluguel”, transferindo os embriões para uma mulher saudável que concorde com a solução. Essa prática é permitida no Brasil com algumas restrições legais.

 

Como o custo do procedimento da FIV é relativamente alto, o usual é implantar mais de um embrião para aumentar a chance de gravidez. Dessa forma, também aumenta a possibilidade de nascerem gêmeos. Com o refinamento da técnica, essa chance vem diminuindo, mas ainda é cerca de 20 vezes maior que o número típico em fertilizações naturais.

 

Outro ganho considerável trazido pela FIV é possibilitar mulheres com mais de 40 anos terem filhos com menos riscos. Atualmente, até mulheres com mais de 60 anos conseguiram ter filhos perfeitos através da técnica da FIV. O recorde, no momento, é de uma espanhola que teve gêmeos saudáveis com quase 67 anos de idade.

 

Quando a técnica surgiu, há mais de 30 anos, surgiram também muitas objeções, algumas dos próprios médicos, mas, a maioria por razões religiosas ou éticas. No início, temia-se que a FIV aumentasse o risco de produzir bebês com defeitos. Hoje, porém, está provado que o número desses casos na FIV não difere do número observado nos nascimentos por meios tradicionais. Alguns religiosos reclamam que vários embriões são criados no processo e descartados, sendo só alguns implantados no útero da mãe. No entanto, mesmo no processo “natural”, a grande maioria dos embriões gerados não consegue se prender à parede uterina e é eliminada, sem que a mãe nem tome conhecimento disso.

 

A verdade é que, em grande número de casos, essa é a única alternativa que resta a um casal que deseja ter filhos e não consegue por alguma razão fisiológica. Podemos mesmo dizer que a decisão de ter um filho recorrendo ao processo da FIV expressa até mais um ato de amor deliberado que ter uma gravidez pelo método usual, muitas vezes indesejada.

 

João foi uma das mais de 800 crianças geradas pela fertilização in vitro no Ceará, desde outubro de 1999

 

Marcos da fertilização in vitro

O primeiro “bebê de proveta” da história foi Louise Brown, que nasceu em 25 de julho de 1978, em Bristol, na Inglaterra. Os médicos que conseguiram esse milagre da medicina foram Patrick Steptoe e Robert Edwards. Esse último recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 2010 e morreu em 2013. Steptoe morreu antes de poder ser agraciado com o prêmio.

 

Louise Brown, hoje com 36 anos, vive em Bristol e é mãe de dois filhos nascidos pelo método ortodoxo.

 

Em outubro de 1984, nasceu Ana Paula Caldeira, no Paraná, primeira criança brasileira concebida pelo processo da FIV. Hoje ela é uma nutricionista em Curitiba e tem ótima saúde.

 

Também em outubro, no ano de 1999, nasceu Vitória Sheryda Sousa, primeiro bebê de proveta cearense. Agora com 15 anos, Vitória é uma bela mocinha que pode se orgulhar de ser a primeira de uma sucessão de mais de 800 reproduções in vitro no Ceará.

 

Parabéns a essas três pioneiras e aos competentes médicos que possibilitaram essas histórias de sucesso.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/10/25/noticiaaquitemciencia,3336146/15-anos-de-vitoria.shtml

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