Preservando a maternidade

Na coluna passada, comentei sobre casais que precisam de ajuda médica para ter filhos. Uma das soluções, como vimos, é a fertilização in vitro. Hoje vou falar sobre a situação bem mais dramática de mulheres jovens e férteis com câncer de colo de útero.

 

Esse tipo de câncer é o segundo mais frequente entre mulheres, com quase meio milhão de casos diagnosticados a cada ano em todo o mundo. Perde apenas para o câncer de mama. O pior é que um terço desses casos ocorre quando a mulher ainda está em seu período reprodutivo. O principal responsável por esse tipo de câncer é o vírus HPV, em geral transmitido pelas relações sexuais. A detecção é feita por um exame chamado popularmente de “papanicolau”, que deve ser feito por um ginecologista. Como, em geral, a mulher não sente nada quando a doença ainda não está em estágio avançado, é recomendado fazer o exame anualmente. Outras atitudes preventivas incluem a vacina e a prática de sexo seguro.

 

Quando o câncer é diagnosticado, o tratamento ortodoxo inclui sessões de radioterapia que podem levar a paciente à infertilidade. O problema torna-se ainda mais angustiante se a paciente estiver grávida. Como diz o professor Francisco das Chagas Medeiros, da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac) da Universidade Federal do Ceará (UFC): “as mulheres sonham com a maternidade desde a infância. Se alguma descobre que não vai poder engravidar, o impacto é muito grande”.

 

Foi com essa preocupação que o professor Medeiros e seus colegas do Serviço de Ginecologia da Meac desenvolveram uma técnica que pode ser usada em mulheres com câncer de colo uterino e precisam de tratamento por radioterapia, mas ainda desejam ter filhos. O processo, chamado de “transposição ovariana lateral”, consiste em reposicionar os ovários da paciente retirando-os da linha de fogo da radiação. Desse modo, mesmo com o tratamento, é preservada sua função hormonal e reprodutiva. O procedimento é feito por via laparoscópica, isto é, usando apenas pequenos cortes no abdômen.

 

A técnica foi testada, inclusive, em uma paciente grávida, ainda jovem e com câncer de colo de útero em estágio avançado. Depois que o feto atingiu a maturidade pulmonar, podendo respirar fora do útero, foi feita uma cesariana para retirar o bebê. Na mesma ocasião, os ovários da paciente foram removidos da região pélvica e fixados em uma posição mais alta, no abdômen lateral. Só então, deu-se início à radioterapia.

 

Por se tratar de paciente grávida, o trabalho foi feito por uma equipe envolvendo obstetras, pediatras e cirurgiões. O cirurgião responsável foi o professor Manuel Oliveira, juntamente com a médica residente Gilvânia Zaparoli. Essa foi a primeira vez na medicina que o procedimento foi feito em uma mulher grávida, salvando o bebê e a mãe, e preservando a capacidade reprodutiva da paciente. Como disse o professor Medeiros: “Salvamos o bebê, a vida e o ovário da mãe. É um tempo de esperança que se vislumbra para esse tipo de câncer”.

 

Salvamos o bebê, a vida e o ovário da mãe. É um tempo de esperança que se vislumbra para esse tipo de câncer

 

Teatro

Outra preocupação do professor Francisco Medeiros se refere à forma como os jovens estudantes de Medicina aprendem a interagir com os pacientes. Essa interação costuma ser mais complicada no caso de ginecologistas. Com a intenção de tratar desse problema de forma criativa, a equipe do professor Medeiros está usando teatro para simular um atendimento que põe, frente a frente, médico e paciente. Os atores são os próprios estudantes e a encenação é feita na presença de pessoal que trabalha no atendimento de mulheres com vários tipos de casos a serem diagnosticados. A ideia é melhorar a relação entre o médico e sua paciente quando a consulta real acontecer.

 

Segundo o professor Medeiros, essa iniciativa pode também ser útil no caso do Revalida, o exame que é feito para avaliar e qualificar médicos estrangeiros que desejam trabalhar no Brasil. Dessa forma, será mais fácil transmitir a esses médicos alguma noção de como é feito o atendimento médico no País e informá-los sobre as características dos pacientes com os quais terá de interagir.

 

Em uma visita do professor Medeiros à Seara da Ciência da UFC surgiu a possibilidade de envolver nesse projeto a equipe de teatro científico da Seara. Essa colaboração poderá ser útil e proveitosa para os dois grupos de atuação.

 

DENGUE

Em abril deste ano, aqui na coluna, relatamos o trabalho do professor Luiz Carlos Rey e sua equipe testando uma vacina da dengue em Fortaleza. Agora, temos notícias bem mais novas sobre esse trabalho e seus resultados. Em artigo que saiu essa semana na revista The New England Journal of Medicine, pesquisadores de vários países, inclusive o professor Rey, reportam sobre o sucesso de uma vacina tetravalente testada em crianças de cinco países da América Latina.

 

A eficácia da vacina ultrapassa 80%, como observado em um período de 25 meses. Além disso, nesse período não surgiram evidências de efeitos adversos da vacina. Tomara que essa vacina seja distribuída em breve pelos órgãos de saúde pública do Brasil.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/11/08/noticiaaquitemciencia,3343976/preservando-a-maternidade.shtml

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