As coisas estão mesmo piorando?

Pelo que vemos nos jornais e na televisão, a coisa está cada vez pior. Os preços não param de aumentar, o dinheiro anda curto e a escassez ronda nossas portas.

 

Todo esse quadro de ansiedade me trouxe à lembrança um embate que aconteceu na segunda metade do século passado envolvendo dois antagonistas que tinham opiniões opostas sobre a situação econômica do mundo de então e do futuro que se avizinhava.

 

Por um lado, o entomologista Paul Ehrlich, da Califórnia, que publicou um livro, em 1968, intitulado A Bomba Populacional. O livro, que se pode classificar de neo-malthusiano, já começava informando que “a batalha para alimentar toda a humanidade está perdida”. Foi um best-seller que vendeu mais de 3 milhões de cópias e transformou o autor em estrela nos programas noturnos de entrevistas da TV.

 

Com o sucesso desse livro, Ehrlich e sua mulher, Anne, lançaram outro, em 1974, chamado O Fim da Afluência, onde anunciavam que “antes de 1985 o mundo entraria em um estado de total escassez” que levaria “mais de um bilhão de pessoas à morte por fome”.

 

Esse anúncio de catástrofes ia de encontro às opiniões de um economista chamado Julian Simon que passou a escrever artigos declarando que, ao contrário do que diziam Ehrlich e outros arautos da desgraça, o mundo ia muito bem, a economia só fazia melhorar e a quantidade de bens disponíveis à população não parava de crescer. Poucos especialistas apoiaram Simon, a maioria inundou os jornais e revistas com críticas ferozes aos pontos de vista do economista.

 

O debate cresceu e resultou, finalmente, em um confronto no qual Simon resolveu desafiar Ehrlich de modo mais direto. Propôs uma aposta nos seguintes termos: Ehrlich escolheria cinco produtos quaisquer (isso que os economistas chamam de “commodities”) e Simon garantia que, depois de dez anos, todos eles estariam mais baratos. Pela proposta, seriam adquiridos, simbolicamente, 200 dólares de cada produto totalizando 1.000 dólares. Dez anos depois, os preços dos produtos seriam comparados para mais ou para menos, e o perdedor pagaria a diferença ao ganhador. Ehrlich topou e escolheu os metais cromo, cobre, níquel, estanho e tungstênio. A data para comparar os preços desses “commodities”, ajustados pela inflação, seria 29 de setembro de 1990.

 

Pois bem, na data combinada, os preços de todos os cinco metais tinham caído tanto, que Ehrlich foi obrigado a enviar um cheque de 576 dólares a Julian Simon.

 

O curioso disso tudo é que o prestígio de Paul Ehrlich não sofreu nenhuma mossa, apesar da evidência de que suas previsões eram totalmente errôneas. Em 1990, ele foi até premiado por “promover o entendimento do público nas questões ambientais”.

 

Simon continuou em sua pregação otimista e publicou, em 1991, o livro O Recurso Supremo. Esse recurso seria a inventividade da raça humana, capaz de reverter todas as ameaças de escassez de bens. A heresia maior de Simon, que acirrou a ira de seus inúmeros críticos, foi afirmar que a única coisa em escassez era gente. Bebês crescem para se tornarem adultos criativos que contribuem na solução de problemas, dizia ele.

 

Na sua visão, “seres humanos criam mais do que usam, em média. E tinha de ser desse jeito, se não já seríamos uma espécie extinta”.

 

Para culminar, Simon previu que “as condições de vida vão continuar melhorando na maioria dos países” e, dentro de um ou dois séculos, “a maioria da humanidade estará vivendo em padrões de bem estar comparáveis aos do primeiro mundo afluente de hoje”.

 

E declarou, também, que “sempre haverá um monte de gente pensando e dizendo que as coisas vão piorar”.

 

Julian Simon morreu em 1998. Paul Ehrlich continua vivo, escrevendo artigos e ganhando prêmios. Recentemente, ele sugeriu a “adição de esterilizantes na água distribuída à população”. E eu procurei saber, pela internet, como andam os preços das tais “commodities” atualmente. Achei o gráfico ao lado, que mostra os preços, ajustados pela inflação, de uma cesta de 19 “commodities”, de 1934 até 2013. Entre elas estão incluídas as mesmas da aposta. Note que aparecem dois picos de preços altos, um devido à Segunda Guerra e outro na época do choque do petróleo. Foi durante esse segundo pico que Erlich começou sua cruzada alarmista.

 

Que tal outra aposta?

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/10/24/noticiaaquitemciencia,3523103/as-coisas-estao-mesmo-piorando.shtml

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